Foi logo na primeira vez que vim passar uns dias em Buenos Aires que me apaixonei pela cidade. E a paixão foi tão arrebatadora, que disse para mim mesma “um dia ainda vou morar aqui”.
Por anos este plano ficou como um sonho rondando meus pensamentos. Até que um dia, a danada da vida fez e refez e me trouxe de mala e cuia para cá.
Mas, como em todo relacionamento nem tudo são flores, depois dos primeiros meses já comecei a ver os defeitos do meu “novo namorado” e sentir meus sentimentos um pouco balançados.
Descobrir que viver é bem diferente de só passar as férias, é um choque para qualquer expatriado que acabou de sair do país. Hoje vou contar quais foram os meus, ao perceber que Buenos Aires, além de linda, pode ser também muito dura.
O primeiro baque foi com a comida. Gente, que saudade de um simples mamão papaia no café da manhã ou de um suco de maracujá na hora do almoço. Nem falemos do nosso básico de todo dia: arroz com feijão. Pensei que o problema seria a língua, mas não, realmente foi, de uma hora para a outra, não ter mais os sabores que me acompanharam por 30 anos.
Depois foi com o clima. Desculpa gente, mas esse papo de frio é tudo de bom porque as pessoas se vestem melhor não cola comigo. Numa manhã de -2°C não há elegância que aguente! E antes que minhas companheiras europeias, norte-americanas e canadenses me digam “mas isso não é frio” já aviso: aqui o frio é úmido. Do tipo que entra embaixo da roupa e chega até o osso congelando todo o nosso sistema circulatório. Não há casaco que chegue.
Ok, talvez eu tenha exagerado um pouco, mas é que eu me mudei para Buenos Aires bem no começo do inverno e vindo diretamente de Fortaleza. Eu não tinha nenhum cardigã na minha mala.
Então chega o momento de conseguir um apartamento, móveis, um bom dentista, descobrir qual padaria vende o melhor pão (aqui no caso, la mejor medialuna), o supermercado mais perto, como funcionam as linhas de metrô, novo número de roupa e de sapato, um plano de saúde, e – o mais demorado – fazer novos amigos.
Mudei para cá sozinha, sem conhecer ninguém e juro que não foi fácil. Os argentinos são muito educados e simpáticos num primeiro encontro. Mas virar amigo de ir na casa, sair para jantar e tudo mais, leva tempo.
Ah que saudade do Brasil… fazemos amigos tão facilmente, não é mesmo? Mas vamos lá, temos que continuar. Hay que seguir adelante.
Foi difícil também entender os costumes e as piadas locais. Está certo que Brasil e Argentina são países vizinhos e com histórias semelhantes. No entanto, no dia a dia, ambas culturas são bem diferentes.
Só não quando o assunto são os maus hábitos que já me incomodavam lá no Brasil. Falta de pontualidade, machismo, falar que vai fazer algo e não fazer, corrupção na política e nas empresas e pessoas que vivem de golpes enganando outras.
Isso ambos países – infelizmente – têm em comum.
Diria que uma coisa que por aqui ainda não chegou foi a violência gratuita que temos no Brasil. Ainda posso caminhar pela cidade a qualquer hora que não tem problema algum. No geral, Buenos Aires é uma cidade segura. E isso é uma tranquilidade boa.
No trabalho há várias diferenças também. Os operários daqui são mais “briguentos” e conhecedores dos seus direitos e só aceitam uma ordem (ainda mais de mulher) se estiver bem fundamentada. Um desafio para mim.
E as leis trabalhistas? Imposto de renda para quase todas as faixas de renda, não há nada como FGTS, 1/3 de férias, vale-refeição ou vale-transporte. Vai de cada empresa “mimar” ou não seus melhores funcionários. Ah, e a licença maternidade de três meses apenas. Se quiser mais três meses tudo bem, mas não vai receber salário, ok?
Para equilibrar um pouco esta equação, a saúde e a educação dão de 10 a 0. Hospitais, clínicas e maternidades de ponta e quase uma universidade pública e gratuita a cada 50 km na província de Buenos Aires. Muitos cursos dessas instituições não possuem limite de vagas, ou seja, quem se inscreve (porque não tem vestibular) pode cursar, simples assim.
Sem contar todas as atrações gratuitas que o governo da cidade oferece aos moradores e visitantes. Passeios guiados, atividades esportivas nas praças e parques, feiras gastronômicas e até uma praia de rio na beira do rio da Prata (Río de la Plata) no verão.
Só que o mais duro de viver aqui é saber lidar “com a atmosfera pesada” que paira no ar. Todos os dias escutamos inúmeras queixas e reclamações sobre qualquer coisa. Até parece que as pessoas sentem prazer em sofrer de vez em sempre.
Se chove, ai, aguenta todo mundo reclamando que está chovendo. Se faz sol e calor então, aguente mais reclamações ainda de que está fazendo muito calor. Haja paciência.
Não foi à toa que os argentinos criaram o tango.
6 Comments
Bem explicativo seu texto, estou pensando em ir ano que vem passar uns 4 meses estudando fotografia… Estou ainda nas (muitas) pesquisas e seu site tem me ajudado. Obrigada
Obrigada!
Venha para Buenos, você vai adorar 🙂
E precisando de qualquer ajuda é só falar.
OI, Fabiola.
Quanto as questões do clima, concordo que pra quem vem de Fortaleza são um problema. Felizmente, que vem do Sul do Brasil como eu não se importam tanto com isso. O clima da cidade lembra mto o de Porto Alegre e Curitiba 😉
Concordo quanto à falta de leis trabalhistas. Fiquei impressionado em saber que muitas coisas que temos na CLT e que consideramos banais e normais, não existem para eles. Realmente, no Brasil se protege bem mais o trabalhador. Também me impressionou a quantidade de pedreiros e operários trabalhando sem qualquer proteção.
Quanto às universidades, preciso comentar, porque sou da área: quem tem a experiência de uma universidade de ponta no Brasil vai se assustar com a baixa qualidade das universidades deles (mesmo da UBA, que é a melhor): a estrutura é péssima, quase não há bolsas de estudo, os professores vivem dando ‘migué’ pra não atender alunos (mandam um assistente no lugar, quase sempre outro aluno) e ganham muito , mas muito mal. Pesquisa, então, quase não há. O país teve uma evasão de cérebros nos anos 90 e não se recuperou até hoje. Nesse ponto, o Brasil é infinitamente superior – apesar do que o Temer vem fazendo 🙁
Um abraço e parabéns pelo texto, mto interessante, principalmente a parte dos costumes – a parte dos beijinhos e dos abraços é bem verdadeira, e dependendo de onde vc vem no Brasil, pode parecer estranhíssimo.
Rciardo
Oi Ricardo, tudo bem?
Que bom que você não sofreu com o clima, eu nem te conto o quanto foi difícil me adaptar. Agora aguento melhor o tranco, mas no começo acho que saía só com os olhos de fora….rsrsrs.
E sim, as leis trabalhistas são bem diferentes. No Brasil eu estava acostumada a um sistema e chegando aqui vi que era outro bem diferente. Mas por outro lado, os salários daqui são bem mais altos. Pelo menos tem sido assim no meu caso.
E das universidades em um ponto você tem razão, o costume de fazer “manutenção” não existe por aqui, então é comum ter laboratorios e salas de aula mais precárias que no Brasil. No entanto, o nível intelectual é de excelência. Existe pesquisa sim e os salários não são ruins, ao contrário, os pesquisadores do CONICET ganham várias bolsas e desolvem muitos projetos tanto aqui como ao redor do mundo. Tenho meu marido e alguns amigos como testemunha. Desanima não que vai dar tudo certo! 😉
Abraço!
Olá, Fabíola
Primeiro, obrigado pela resposta. Sim, eu não tive problemas em me adaptar qto ao clima, que é basicamente o mesmo de Porto Alegre – inclusive no verão (infelizmente, pq o verão gaúcho é horrível, heheh).
Sobre os meus comentários, só esclareço que falo da minha experiência na UBA , tendo vindo da UFRGS e da USP, e em conversas com professsores argentinos e professores brasileiros que estiveram na UBA. E sobre os salários – que, na minha experiência, são também mais baixos que no Brasil, ao menos nas áreas com as quais tive contato – também falo da minha experiência. Agora, é claro que cada um terá a sua.
Sei que a pesquisa não inexiste totalmente, conheço o CONICET e a maneira como ele funciona, conheci o temas das bolsas e dos salário dos docentes e tenho certeza de que existe gente muito capaz no meeio universitário deles e inclusive conheci vários, mas, infelizmente, mantenho a minha visão. Além das questões éticas que mencionei. Nesse ponto, foi extremamente frustrante, vindo de onde eu vinha.
Resumindo, uma experiência a não repetir.
Um abraço
Nossa Ricardo, lamento sua experiência ruim, não sabia que tinha sido tão difícil. Depois de entender como as coisas funcionam por aqui a adaptação fica mais fácil, mas claro que esse caminho a ser percorrido é duro e precisamos ser pacientes e perseverantes.
Novamente reitero que minha experiência tem sido boa e todos meus amigos e colegas pesquisadores também estão na mesma situação. Não sei qual a sua área, mas a minha (exatas / engenharia), por exemplo, tem salários mais altos que no Brasil e mais benefícios também, apesar da falta de leis trabalhistas.
Sucesso no seu próximo projeto!