Dia 11 de novembro é o dia em que se celebra a independência da Polônia – o Narodowe Święto Niepodległości. Ou melhor, a recuperação de sua autonomia, após 123 anos da partilha (Rozbiór Polski ou Rozbiory Polski) do país entre o Reino da Prússia, o Império Russo e o Império Austro-Húngaro. Mas antes de falarmos sobre independência e nacionalismo – além de suas consequências até os dias de hoje -, vale a pena voltar um pouco ao passado e tentar entender, como brasileiros, o que isso é e significa para os poloneses.
Essa data foi instituída em 1918, ano do término da Primeira Guerra Mundial. Entretanto, o país não viveu duradouramente um período pacífico, pois devido a questões internas, havia riscos de ocorrer uma guerra civil na nação recém unificada. Até o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, a Polônia sofrera com a Guerra Polonesa-Soviética, de 1919 a 1921; o intuito do Exército Soviético era expandir sua revolução comunista para o resto da Europa. O desfecho histórico que impediu tal feito ocorreu na Batalha de Varsóvia, conhecida também como Milagre do Vístula, em 1920, sob o comando do Marechal Jósef Piłsudski, herói nacional da Polônia e primeiro chefe de Estado da então Segunda República Polonesa.
Após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o país passou integrar o bloco do Leste Socialista, sob o comando da União Soviética, gozando de uma relativa autonomia – diferentemente de outros países do bloco -, mas ainda assim, respondendo a Moscou no que se referia a questões políticas, econômicas e diplomáticas. A queda do regime ocorreria apenas em 1989. Hoje e desde 1990, não oficialmente, a Polônia é também é designada como Terceira República Polonesa.
Voltando ao ano de 2016 – e fazendo as contas -, percebemos que a desde a instauração da Segunda República Polonesa (1918) o país teve, efetivamente, pouco menos de 50 anos de independência. Este breve resumo é importante para começarmos a entender o porquê de o sentimento nacionalista e a identidade polonesa estarem tão intrincados; não podemos falar de uma, sem considerar a outra, ainda mais nesses tempos de “Polônia para os poloneses“.
A ascensão do PiS, partido Lei e Justiça
A ascensão de partidos conservadores e de direita é um fenômeno que vem crescendo por toda Europa desde o início da crise na Zona do Euro, mas, sobretudo, com o agravamento da crise migratória devido a conflitos próximos, como, por exemplo, na Síria, o que não foi diferente na Polônia.
O PiS – Prawo i Sprawiedliwość, Lei e Justiça – é um partido de direita ultra-conservador, fundado em 2001 pelos irmãos gêmeos Jarosław e Lech Kaczyński, a partir da junção de dissidentes do Akcja Wyborcza Solidarność, AWS – posterioremente, Akcja Wyborcza Solidarność Prawicy (AWSP); em português, Ação Eleitoral Solidariedade e Ação Eleitoral Solidariedade de Direita, respectivamente, e o Porozumienie Centrum (Acordo do Centro), que era o antigo partido democrático cristão polonês. Sua ideologia também se alinha aos setores mais conservadores da Igreja Católica.
É importante compreender essa conjuntura, pois o momento político pelo qual a Polônia passou no final da década de 80 e início dos anos 90, assim como todo o mundo leste socialista, era de grande instabilidade econômica e social após anos desse modelo de governo. Neste cenário, a instituição que sempre desempenhou um papel importante foi a Igreja Católica, ainda mais após a escolha de João Paulo II como papa em 1978, e esta influência é forte até hoje.
Em 2015, o PiS obteve 52% dos votos válidos na eleição presidencial que ajudou a eleger Andzrej Duda como 6° presidente polonês. Logo em seguida, veio a primeira-ministra, Beata Szydło. Hoje, dos 460 assentos do Sejm, a “câmara baixa” polonesa, 234 são ocupados por deputados do PiS. No Senado, 63 dos 100 senadores são do partido.
Dentre suas polêmicas políticas o governo assumiu o controle da TV estatal polonesa, a TVP, quando alterou uma emenda na lei, na madrugada do ano novo de 2015 para 2016, o que daria mais poderes ao Estado nas decisões do grupo midiático e resultou em demissões de alguns diretores e funcionários que não se alinhavam às novas orientações, sob o pretexto de preservar os valores tradicionais da pátria polonesa. Na época isso causou grande rebuliço, sobretudo na Comunidade Europeia. Além disso, no auge da crise, o governo colocou dificuldades para receber os refugiados sírios buscando asilo, especialmente muçulmanos, na época em que toda Europa o fazia, alegando questões de segurança, principalmente após os ataques em Paris e Bruxelas. Mais recentemente, o que fez acender – mais uma vez – o alerta da Comunidade Europeia foi a tentativa de aprovar a lei anti-aborto, no mês passado.
Também chama a atenção a declarada tentativa de culto à figura do ex-presidente Lech Kaczyński, morto em 2010, num trágico acidente aéreo em Somolensk, na Rússia. Desde sua morte, há um intenso clamor de setores ultra-conservadores da Igreja para que ela fosse esclarecida. A teoria conspiratória mais absurda, por exemplo, apontava que a queda do avião em que o presidente polonês e sua comitiva viajavam havia sido causada pelos russos. Vale lembrar que Somolensk é a região onde está localizada a floresta de Katyn, onde ocorreu, em 1940, o Massacre de Katyn. Hoje, com o partido de seu irmão gêmeo Jarosław no poder, Lech, que está enterrado nos subterrâneos da Igreja do Castelo de Wawel, ao lado dos antigos reis poloneses e do próprio Marechal Piłsudski, recebeu, em abril deste ano, uma pedra com uma placa em sua memória no pátio da prefeitura de Varsóvia, o que gerou controvérsia por ter sido colocada sem consulta prévia à administração da cidade.
E por que essa voz ecoa mais forte hoje em dia?
A sucessão de acontecimentos, somada à manipulação de informações conforme sua conveniência são terreno fértil para a o surgimento de grupos nacionalistas, aumentando ou reacendendo lentamente esta chama. Não é de hoje que esse sentimento existe. Ainda de forma latente, é cada vez maior o número de pessoas que externam este tipo de opinião e ideias. No âmbito individual, isto não é proibido. Organizados em grupos, também não. Diversos grupos têm encontrado cada vez mais adeptos e força, demonstrados abertamente em dias como o 11 de novembro. Nos últimos anos, significa não apenas a celebração da data histórica, mas a manifestação aberta das ideologias nacionalistas.
No último feriado, além das celebrações oficiais, embora não tenha sido registrado nenhum incidente grave, a marcha nacionalista contou com com cerca de 75 mil pessoas, contra 10 mil do KOD – Komitet Obrony Demokracji –Comitê para Defesa da Democracia, uma organização criada em 2015 que visa fiscalizar a controversa política do atual governo e mostrar que a sociedade polonesa pensa bem diferente e não fomenta o que tais grupos propagam, aceitando a ideia de pluralidade étnico-cultural, laicidade e democracia. Ainda neste ano, houve, separadamente da marcha do KOD, a marcha antifascista, que não teve um número significativo de participantes.
É importante pontuar que, neste dia tão simbólico e sensível para o povo polonês, cujo passado foi marcado por tantos conflitos e guerras, é primordial que haja a livre manifestação do pensamento dos mais diversos setores, ainda mais quando lembramos que, até pouco tempo, não havia essa possibilidade, pois não se vivia em um sistema democrático.
Entretanto, é imprescindível que se reconheça o limite do que conhecemos por liberdade de expressão, quando percebemos que começam a surgir as hostilidades, as provocações, até culminarem em agressões e deixarem aflorar o que há de mais perverso no ser humano. Tanto aqui quanto no Brasil ou em qualquer lugar do planeta, esse tem sido um dos maiores desafios para as sociedades pós-modernas, pois o que, de fato, precisamos, é nos colocar no lugar do outro, entender seu passado, compreender os mecanismos que nos trouxeram à atual conjuntura, arrefecer ódios infundados e mudar, antes que seja tarde demais.