A Suíça planta 15 MHa (quinze mil hectares) de uvas para produção de vinho. A área, significativa para um país pequeno, representa somente 0.2% da área de vinho do mundo, contribuindo com 0.4% da produção global e tenho que ser sincera, fabrica um delicioso vinho suíço.
A Suíça Francesa produz 75% do vinho suíço e somente o cantão do Valais, espécie de estado daqui, é o responsável por 40% da produção nacional, ainda insuficiente para atender o mercado interno, que importa 60% de seu consumo.
O Suíço adora vinho. Consome em média 38 litros de vinho por ano e está listado entre os 10 maiores consumidores de vinho per capita do planeta. Exporta somente 1% de sua produção, o que explica o fato de muitos não terem tido a chance de provar o vinho Suíço fora da Suíça.
Assim que mudei comecei a me deliciar descobrindo mais e mais sobre o vinho suíço. Inicialmente fui atraída pelo branco, simples e fácil de tomar. Despretensioso, o vinho feito com a uva Chasselas é um vinho apreciado em todos os cantos do país. É a perfeita combinação para o fondue, prato local onde o queijo é derretido neste vinho. Aos poucos, amigos suíços iniciaram minha doutrinação no vinho tinto. Mais especial e complexo, pode ser encontrado em todas as possíveis variações de qualidades e preços, daí minha esperada rejeição. Não é meu preferido mas confesso que já degustei alguns muito bons.
Mesmo para alguém que entende realmente de vinhos é difícil não se surpreender com as infinitas possibilidades de combinações das 200 variedades plantadas no solo suíço.
Mas o que me chocou mesmo foi o tamanho das propriedades rurais. São minúsculas comparadas com as nossas e, realmente pequenas, perto de algumas propriedades europeias, como as francesas por exemplo.
Tinha dificuldade em entender como eles se viravam, gerenciando tudo, produzindo pouco por serem pequenos mas ainda assim investindo em maquinário e se atualizando tecnologicamente. Para piorar a vida, algumas propriedades estão localizadas em áreas históricas como Lavaux, Patrimônio mundial da UNESCO, que impõe restrições a reformas drásticas e a mudanças em geral.
Fui então entendendo que muitas das vinícolas são rodadas por famílias há muitas gerações e eles fazem todo o trabalho, desde capinar as videiras até promover o vinho. Integrados, dividem experiências e tecnologias entre vizinhos e comunidades. Existem também as associações de vinicultores, muito ativas, que ajudam na diluição de custos não só de produção como também de comercialização.
Mas o que é especial mesmo é a consciência de cidadania do suíço. É invejável, de tirar o chapéu. Eles preferem pagar um pouco mais e tomar o vinho suíço ao invés dos vinhos importados. E pagam, sem reclamar! Na Suíça existe um respeito imenso pelo produto e produtor local.
Quando fazemos alguma festa na nossa casa em St. Prex, procuramos servir o vinho produzido por um vinicultor amigo nosso, cuja propriedade fica a 2 quilômetros daqui de casa. O vinho dele já recebeu algumas medalhas e é reconhecidamente muito bom. Entretanto minha cabeça de brasileira sempre me tenta pensando que pelo mesmo preço poderíamos talvez comprar um francês ou italiano ainda superior. Não, fora de cogitação, o orgulho de servir um vinho suíço fala mais alto e acabo cedendo à tentação. Mais e mais acho charmoso servir um vinho colhido e produzido pelo meu querido vizinho.
O vinho definitivamente faz parte da vida do Suíço. Ele visita propriedades, caminha nos vinhedos, festeja a produção, aprecia de verdade. A primavera e o verão são estações maravilhosas onde festas nos vinhedos ocorrem quase que semanalmente. Eu me adaptei a este hábito super rápido. Não tem coisa mais gostosa que visitar uma propriedade e degustar o vinho junto com seu produtor.
Participei uma vez da “vendange”, a colheita das uvas em uma pequena propriedade familiar. O exercício de colher as uvas plantadas em um terreno íngreme foi fisicamente puxado mas recompensado com paradas regadas com vinho do ano passado e queijo Gruyères. Quatro gerações trabalhavam integradas e em harmonia. Apanhadas todas as uvas, celebrou-se então a farta colheita com música, dança local e “raclette”, outro prato tipicamente suíço, onde o queijo delicioso é derretido pelo calor para se derreter na nossa boca. Foi uma das experiências mais indescritível e deliciosas que vivi por aqui.
Mas este mercado, quase que artesanal, ano passado caiu na boca do povo. Em 2015 o mundo do vinho Suíço viveu uma nova aventura: Robert Parker’s Wine Advocate (RPWA), uma das publicações mais importante, influente e conceituada na avaliação de vinhos, pela primeira vez desde sua formação em 1978, avaliou e aprovou os vinhos suíços.
Stephan Reinhardt, um representante da RPWA,veio discretamente degustar Pinot Noir e Chasselas, as duas variedades mais plantadas no solo suíço.
Degustou mais de 150 Pinot Noir às escuras e pontuou 18 Pinots com notas acima de 90. Alguns vinhos chegaram a receber 95 pontos.
Os vinhos brancos, Chasselas, também foram reconhecidos. São vinhos menos complexos, mais jovens, mas, mesmo assim, quatro vinhos brancos também alcançaram avaliações superiores a 90. Wow!
Segundo a avaliação Parker, avaliações entre 90 e 95 são atribuídas para vinhos excelentes, com complexidade excepcional e caráter. Em suma, vinhos fantásticos.
Como quase não existe vinho suíço no mercado internacional, a surpresa e curiosidade foram imensas. Poucos conhecem o vinho suíço e todo mundo sabe que tudo que é exclusivo, torna-se mais desejado. Afinal, não é todo dia que aparecem novidades neste universo tão cobiçado.
A avaliação causou um fuzuê nas pequenas propriedades, não acostumadas com o assédio e o contato internacional. Alguns produtores até se comprometeram a exportar uma parcela maior de sua produção para atender a inesperada demanda. Para piorar, já se sabe que a safra 2015 foi excepcional. Correria danada nos vinhedos.
No verão do ano passado, podia-se ver no meio dos vinhedos de Lavaux uma placa enorme, dizendo que “O mundo se inclina perante o vinho de Vaud”.
Alguns consumidores ficaram divididos entre o orgulho de ter o reconhecimento do produto local e o ciúmes de ter que dividir seu néctar com o resto do mundo. É assim mesmo, não se pode ter tudo.
8 Comments
mais de 30 litros por ano, nao 3… 3 litros sao 4 garrafas
Oi Adriana,
Muito obrigada por me alertar, já corrigi no texto!
Na verdade, os dados de 2011 publicados peo wineinstitute.org apontam para 38 litros anuais. 41 litros per capita é o número publicado pelo http://indy100.independent.co.uk.
Os números são estimados, as fontes são diversas e as vezes antigas mas com certeza, estamos na casa dos 35 – 40 litros, não na dos 3 – 4 :-).
Abraço para você, e obrigada pelo alerta!
Teca
Olá, em junho irei para França e estou querendo incluir a Suiça no meu roteiro. Será que as vinicolas estarão bonitas assim como na foto ? Será que consigo ver neve nas montanhas ? Obrigada!
Oi Marina,
Você vai adorar a Suíça em junho. É uma época deliciosa por aqui.
Esta foto foi tirada no início de Setembro, quando as uvas já estão se formando para a colheita. Em junho os vinhedos estarão com as videiras verdes, mas ainda sem o fruto. Difícil prever agricultura, pois depende do clima, mas esta é a situação esperada.
A neve você certamente conseguirá ver nas montanhas onde existem os glaciais e também nas mais altas. Sempre muda de um ano para outro… Escrevi sobre uma ideia para encontrar neve no verão aqui: https://www.minhasuica.com/single-post/2015/08/20/Neve-no-ver%C3%A3o
Boa sorte na programação da sua viagem.
Abraço, Teca
Perfeito, Simplesmente Digno do Mundo de Dionísio!
Teca, gostaria de saber como é o mercado em relação aos Enólogos Estrangeiros, Que por ventura gostariam de Trabalhar na Suiça. Poderias me ajudar com esse tema? Muito Obrigado.
Bom dia Mateus,
Obrigada pelo seu comentário.
O mercado de trabalho na Suíça, de maneira geral, da preferencia aos profissionais suíços, depois aos europeus e por último, para os que chamam de “resto do mundo”. Porém, se o profissional tiver qualificações únicas que justifiquem a imigração, ele tem sim lugar por aqui.
Pessoalmente não sei dizer sobre o caso de enólogos mas posso afirmar que o vinho suíço tem uma produção pequena e em propriedades geralmente familiares. Especulo que a demanda por enólogos seja tão grande como em países como a França, Itália ou Espanha.
Espero ter ajudado.
Abraço, teca
Olá, Teca!
Sensacional o post sobre os vinhos suíços. Parabéns!
Sou enólogo e sommelier no Brasil e confesso que ainda não degustei nenhum daí :/, mas um amigo suíço que mora aqui já me falou muito bem dos vinhos deles.
Minha noiva (que tbm é enóloga e sommelière rsrs) e eu pretendemos na nossa lua de mel passar pela Suíça, será no final de novembro. Estamos com algumas dúvidas com relação ao clima (se chove muito, se tem risco de já pegarmos alguma nevasca, frio excessivo, etc). O que você teria a nos dizer sobre essa época?
Sei que vamos fora da época de colheita, etc., mas pensando de uma maneira geral (outras atrações): vale a pena ou pode estar mais pra furada?
Obrigado!!!
Moisés
Olá Moisés,
A Teca Hungria parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas na Suíça que talvez possam te ajudar.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM