Expectativa e realidade sobre solidariedade entre imigrantes.
Num mundo cheio de diferenças de opinião, poucas coisas parecem ser capazes de nos unir sem maiores esforços e de maneira quase que instantânea. Muito se fala sobre como as redes sociais fragmentaram as relações, na medida em que o surgimento de comunidades ou grupos virtuais baseados em ideologias, crenças, afinidades e interesses naturalmente favoreceram a criação de bolhas digitais. Porém, acredito que independente dessas diferenças que se propagam na rede virtual, existe uma condição do mundo real que prevalece e aproxima quando o contexto a ser analisado é o da imigração: a nacionalidade.
Imagine essa situação: você se encontra em outro país, pouco importa se a passeio ou para ficar de vez. O idioma ainda não é de todo familiar; as regras de conduta são diferentes; você invariavelmente se sente completamente deslocada, buscando dar sentido e forma ao seu modo de agir nessa nova realidade. Basta ouvir uma pessoa falando em português que o reflexo quase instantâneo é o de não mais se sentir à margem e de puxar conversa.
É instintivo. A gente não se importa se a pessoa em questão votou em fulano ou beltrano, torce para o time A ou B, ou é a favor ou contra a diminuição da maioridade penal. Pelo menos não num primeiro momento. Mergulhados num ambiente estranho de tantos constrastes, o fator ser brasileiro nos aproxima. Tudo o mais perde em importância, pelo menos enquanto a sensação de estranho no ninho é apaziguada pela companhia de alguém que “nos entende”.
No artigo desse mês, minha reflexão é sobre até que ponto o país de origem realmente aproxima as pessoas. Seria a nacionalidade um fator facilitador da solidariedade entre imigrantes? Será que em algum momento isso se transforma em competição de alguma forma? Será que a tendência é unir forças ou se colocar em modo sobrevivência das mais adaptadas?
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Solidariedade: o ponto de vista torna tudo relativo!
Brasileiros em geral, são conhecidos pela alegria, pelo acolhimento, pelas relações mais calorosas, até demais em alguns casos. Claro que em certos contextos a solidariedade é quase um pré-requisito de sobrevivência e, por esta razão, se mostra mais presente que em outros. De qualquer forma, viver em sociedade exige a criação de um regra de responsabilidade recíproca, mesma que implicitamente. O problema reside na confusão entre a solidariedade voluntária e solidariedade compulsória. Explico as diferenças.
A solidariedade voluntária é aquela à que a pessoa se dispõe naturalmente e por vontade própria, dentro das áreas nas quais ela pode e, atenção, quer de fato ajudar. Existem pessoas que são doadoras natas, ou seja, tem uma inclinação espontânea a servir aos outros da melhor maneira e dentro de suas possibilidades. Pode ser que essas pessoas se ofereçam proativamente, mas às vezes pode ser que precisem de uma deixa para então se colocar a disposição. Tanto num caso quanto no outro, fazer papel de adivinho não faz parte do pacote do solidário(a) em questão. Quem precisa de ajuda deve manifestar essa necessidade e não simplesmente esperar que um terceiro leia nas entrelinhas. Nem preciso dizer que orgulho também deve ficar de fora, sobretudo da parte de quem precisa de ajuda.
No caso da solidariedade compulsória, é como se as necessidades iniciais de base devessem ser automaticamente satisfeitas para quem está em desvantagem. Não é uma questão de escolha de quem deseja ser solidário, mas de obrigação cultural. Às vezes tenho a sensação de que alguns imigrantes recém chegados se colocam nessa situação em relação àqueles que já trilharam um bom caminho nessas terras desconhecidas. Nem sempre é consciente, mas parece haver uma prerrogativa de que um brasileiro deve sempre ajudar outro brasileiro, afinal precisamos nos unir, certo? Só que nessa situação de obrigatoriedade (mesmo que não dita), começa-se a perder mais do que ganhar. Vira o famoso: a gente dá uma mão e a pessoa quer o braço.
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Omitir-se é uma opção
Verdade seja dita: nem todo mundo acredita no poder do compartilhar experiências e aconselhar como uma motivação na jornada do outro. Para que dar o caminho das pedras depois de tudo que se passou e foi conquistado “sem a ajuda de ninguém”?
Por mais fria e revoltante que opiniões como essa possam parecer, elas existem e eventualmente podem vir da boca de alguém que pensávamos ter mais consideração pela gente.Omitir-se pode ter a ver com indiferença, egoísmo, insegurança, sentimento de competitividade ou rivalidade, medo de se expor. A recomendação é respeitar. Não precisa necessariamente aceitar e nem querer entender. Afinal, a gente não sabe o que de fato aquela pessoa passou e ela tão pouco é obrigada a fazer algo por nós.
Já ouvi muitos depoimentos de pessoas que se queixam em relação a quem pede dicas e conselhos, mas desde que tudo já venha mastigado. Por essas razões optam pela omissão. Eu mesma já passei por situações assim desde que comecei a contribuir para o Brasileiras Pelo Mundo. Aliás, acho que o maior serviço que nosso blog presta é fornecer informações relevantes, desde as questões legais até aquilo que pode facilitar o processo de integração e o dia a dia. Procuro atender a todos que me mandam comentários na medida do possível, mas apenas até onde julgo razoável. Em alguns casos, dou apenas referências mas encerro por ali, porque minha capacidade de ajudar pode ser limitada.
Quando além da solidariedade, a empatia entra na jogada
Só que nessa história toda, existe um caminho que me atrai bastante e que faz parte da minha jornada e de quem mais cruza o meu caminho de uma forma especial: a empatia. Como eu gosto dessa palavra e de tudo o que ela pode fomentar nas nossas relações interpessoais!