A dificuldade de lidar com a perda de um ente querido.
Um assunto difícil, triste e que pode ser pesado para muitos, mas resolvi falar mesmo assim, pois acho que pode ajudar de certa forma algumas pessoas.
Minhas experiências em Toulouse têm sido muito intensas, mas claro que há momentos bons e ruins. Por conta disso, o tema do meu texto será sobre um momento não muito bom hoje: sobre a perda de um ente querido, no caso, meu pai.
Na verdade, tive duas grandes perdas este ano. Três semanas antes perdi meu amado cachorro Doug, meu anjinho de pata e na sequência, meu amor maior, meu querido pai. Por mais que pareça incomparável a dor (claro que é), posso dizer que mesmo tendo intensidades diferentes, dói e muito!
Bom, estava tudo em perfeita ordem depois de eu ter passado minhas férias no Brasil em dezembro. Voltei para cá feliz, com a sensação de dever cumprido com tudo e todos, satisfeita com os momentos que passamos juntos, pois foram dias realmente incríveis. O mês de dezembro foi particularmente perfeito!
Além disso, a vida do meu pai estava incrível. Depois de uma longa jornada de trabalho, ele estava encaminhando para sua tão sonhada aposentadora (que saiu dois dias antes da sua morte), estava iniciando um novo projeto – um sonho que tinha iniciado há alguns meses com um dos seus irmãos, por isso ele estava de férias e desfrutando o momento perto dos pais, irmãos e amigos no lugar que ele mais amava, em sua terra natal, Brejo Grande, em Sergipe.
De repente, na bela manhã de 28/02/2018, por volta das 11h30 depois dele ter tomado seu café da manhã, conversado com seu irmão sobre os próximos passos após sua tão sonhada aposentadoria e ter ido cuidar dos seus bichinhos… ele simplesmente partiu. Foi como se seu coração estivesse leve, com a sensação de dever cumprido e assim tivesse dito: “Ok, agora acho que posso desligar, tudo está bem!”
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Juro que tenho essa sensação mesmo. Estávamos todos separados quando aconteceu: eu aqui em Toulouse, minha irmã no Rio de Janeiro e minha mãe no Guarujá, pois ele retornaria das suas férias em cinco dias para casa. Me lembro que eu estava falando com minha mãe sobre comprarmos algo aqui para uma amiga dela quando de repente ela parou de falar, mas meu celular tocou e não pude atender porque já estava saindo do trabalho.
Saí correndo e pensei: ligarei no metrô, mas como não atendi, a notícia chegou através de uma mensagem enviada pelo WhatsApp. Em um primeiro momento, parecia uma piada. Quando liguei, o tempo parou e tudo ao meu redor começou a ganhar um ritmo diferente – as pessoas pareciam estar em câmera lenta, desfiguradas como uma pintura borrada e eu não escutava absolutamente nada. Desci duas estações anteriores a de costume, pois não conseguia raciocinar e achava de verdade que eu estava em um mundo paralelo, precisava caminhar para tentar digerir a mensagem que havia recebido.
Precisávamos tomar decisões mesmo estando longe uma das outras, mas de uma coisa eu tinha certeza: ele deveria ficar no lugar que amava, isso não tinha dúvidas. Também não queria que atrasassem o sepultamento “conservando o corpo” até a minha chegada que demoraria quase dois dias. Foi bom estar certa dessas coisas porque isso acaba ajudando de alguma forma. A verdade é que nosso coração sente o que é certo e ficamos em paz com a decisão.
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Enfim, cheguei em casa depois de falar com elas, acertarmos o que era necessário (a burocracia de praxe) e só depois disso é que pude sentir toda a dor. Gritei, chorei até não poder mais, mas com o passar do tempo, tudo foi se encaixando – confesso que foi surreal!
Eu já sabia como ele estava feliz, por isso tudo estava caminhando bem para ele e todos nós, contudo, saber como foram os últimos instantes dele, me deu a certeza de que ele teve a melhor passagem que alguém poderia ter e só assim percebi como meu pai foi uma pessoa evoluída espiritualmente sem nem mesmo se dar conta disso. Foi assim que toda a dor foi se transformando em gratidão, amor e dessa forma percebi o quanto fomos felizes mesmo com todos os nossos problemas ou lutas de uma família de classe baixa. Me lembrei do quanto ele se orgulhava das filhas formadas e por conta própria, como ele se orgulhava da família que tinha e como meu pai nunca precisou de mais nada além do que ele tinha porque para ele era o suficiente – ele foi grato a cada pequena coisa conquistada.
Ele fazia planos, mas não deixava o presente passar. Os sonhos estavam no futuro, mas os pés no agora e aproveitando o segundo que ali estava, não importava qual fosse o momento. Não há uma receita para dar para esse tipo de dor ou perda. Meu coração achou a minha, mas a saudade tá aqui. Não consigo me imaginar em casa, no Guarujá, sem vê-lo sentado no canto do sofá com seu computador e assistindo futebol na TV ao mesmo tempo, mas hoje, posso dizer que só tem gratidão e amor dentro de mim. A dor está aqui, todos os dias as lágrimas caem, mas cada dia é um pouco melhor que o outro e é assim que quero que seja, pois sei que é isso que ele quer.
O único conselho que posso dar para quem está passando por isso ou que de alguma forma não superou é apenas um: apenas esteja no agora, quando for ao passado para matar as saudades, resgate apenas os sorrisos. Quer chorar? Chore e chore muito, sinta a dor, mas no mesmo momento em que fizer isso, comece a lembrar dos momentos divertidos, dos abraços, dos “Eu te Amo” – posso falar com propriedade que isso ajuda muito. É como se todo dia acordássemos em uma montanha russa de sentimentos – ora você estará sorrindo, mas de repente é como se uma nuvem carregada de tristeza resolvesse desaguar na sua cabeça e toda a dor volta.
Aquelas frases clichês: “ele está em um lugar melhor, ele quer você feliz”, confesso que não foram computadas pelo meu cérebro mesmo sabendo que foram sinceras, carinhosas e que são verdadeiras. Entrei em uma espécie de transe e me senti tão anestesiada com tudo que vinha de fora, até porque tudo deveria ser resolvido de dentro para fora, como tudo na vida! É simples assim, hoje sei que quando encontrar com alguém nessa situação, só darei um abraço (o mais apertado que eu puder), pois foi justamente isso que mais senti falta aqui mesmo tendo recebido abraços especiais.
Agora é continuar seguindo e vivendo um dia de cada vez. Como falei lá no início e sempre repito, tendo ainda mais certeza de que esse é o caminho – o agora é sua chance de ser feliz – apenas faça acontecer!
2 Comments
Oi Rafaela! Sou sua companheira de BPM! E compreendo sua dor, minha mae faleceu assim tambem, de uma hora para a outra quando eu morava em Cuba, e para mim o momento da noticia da morte, senti como se tivessem tirado meu espirito do meu corpo e depois voltaram a colocar-lo. Senti o corpo amortecido, cada pessoa sente de forma diferente a dor nao é mesmo? Hoje em dia sou tanatologa, alem de medica, e é bem assim mesmo, viver um dia de cada vez, se de repente o dia ta dificil, vive meio dia, uma hora, um minuto de cada vez. No meu caso tenho certeza e a tranquilidade que minha mae é um espirito livre! E isso é muito gratificante saber que nossos velhinhos estao em outro espaco, outro tempo talvez… porem te digo, que o amor e o aprendizado estarao contigo todos os dias! te mando um abraco bem apertado de urso!
Gostei muito do texto e sinto muito pela tua perda. Parabéns por saber expressar em palavras momentos tão difíceis. Passei pela mesma situação que você e sei como é difícil explicar. Dois antes do teu pai, meu irmão se foi com apenas 28 anos. Foi muito duro passar por algo tão inesperado estando longe da família. A gente que mora fora os abraços fazem mesmo muita falta e sentimos muita culpa por não poder apoiar a família nesse momento .