Descobrimos que eu estava grávida, na Áustria, já com três meses de atraso. Eu ainda gozava do visto de turista quando meu período menstrual resolveu não dar as caras, pois não sabíamos ainda se permaneceríamos aqui ou se iríamos para a Suíça ou para a Alemanha, já que meu marido tinha propostas de trabalho nos três países.
Fora o carimbo no passaporte, os documentos que eu possuía eram: 1. nossa certidão de casamento, traduzida do português para o alemão; e 2. o Meldezettel, comprovante oficial de residência, expedido por todas as prefeituras do país, atestando que aquela pessoa que ali está se cadastrando mora, de fato, na localidade.
Mesmo eu sendo casada com um austríaco e tendo permanência legal no país, isso ainda não me permitia usufruir do sistema público de saúde (que por aqui é sinônimo de excelência e, por isso, quase ninguém contrata plano de saúde privado). Essa condição muda, entretanto, em uma velocidade vertiginosa, quando o Estado austríaco toma conhecimento de que você está esperando um “austriacozinho” ou uma “austriacazinha”.
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Apenas com a informação de que minhas regras não haviam chegado e com os míseros documentos que citei, fomos à unidade do “SUS” da cidade. Tendo quase certeza de que ouviria um “Não senhora, volte com a confirmação da gravidez para iniciarmos os procedimentos”, entreguei os papeis que possuía à funcionária e, aproximadamente dez minutos depois, recebi um sonoro: “Parabéns! A documentação está toda em ordem. Aqui está sua autorização para escolher, ainda hoje, se quiser, seu obstetra para iniciar seu pré-natal. Tenham um excelente dia!” Simples, prático, rápido, sem burocracia e eficiente assim!
Médico escolhido, marcamos a primeira consulta. Gel na barriga, monitor ligado e, de repente, vejo aquele serzinho já todo formado: perninhas, bracinhos, cabecinha, tudo! Na minha absoluta inexperiência, achei que o feto tinha apenas dias de vida, quando o médico me olhou, me deu parabéns e informou que eu estava grávida de doze semanas! Refeita do susto e com todas as informações médicas compreendidas, já saímos do consultório com uma sacola cheia de presentes de cortesia: óleos, sachê para fralda, meinhas, babador, revista informativa, enfim.
Dali em diante, os controles médicos foram frequentes, no mínimo, uma vez por mês, além do controle realizado pelo hospital onde se cadastra o nascimento do nenê: aqui é necessário cadastrar o nascimento do bebê junto ao hospital próximo da sua residência. A partir daí, existe um controle por parte do seu médico e, também, do seu hospital.
Assim que realizei o procedimento em nosso hospital, recebi um bombardeio de informações: datas de todas as consultas, datas de todas as palestras e dados sobre o curso de ginástica para gestantes e do curso para pais. Claro que me inscrevi, para tudo o que era possível, na mesma hora.
No dia marcado lá estava eu, morrendo de curiosidade acerca da tal ginástica para gestantes: uma hora de exercícios físicos, coordenados por uma fisioterapeuta, que têm como principal alvo fortalecer os músculos dos braços e pernas, ensinar a segurar o nenê de forma a se evitar esforço desnecessário e aprender a “pegar” coisas com os pés quando se está com a criança nos braços. Mas o mais importante ainda estava por vir: os últimos vinte minutos de aula eram exercícios que, literalmente, simulavam o parto. O parto natural é o procedimento adotado na grandiosa maioria dos nascimentos no país, então, éramos, literalmente, treinadas para dar à luz. Apenas em casos de esforço excessivo da mãe, da criança, ou risco de vida de uma ou outra é que se recorre à cesárea.
Fora as atividades físicas, tínhamos também aulas teóricas de reconhecimento das contrações, quais tipos, quando inspirar, quando expirar, quando deixar o bebê trabalhar e quando, finalmente, relaxar.
Éramos, mais ou menos, dez “marinheiras de primeira viagem”. Trocávamos muita informação e nos amparávamos umas às outras. E, a cada colega que estava prestes a ter o bebê, a torcida era imensa. A sala de ginástica ficava no mesmo andar da maternidade, então, tínhamos livre acesso para visitar as colegas que haviam dado à luz recentemente e, do mesmo jeito, as novas mamães podiam visitar a aula com os pimpolhinhos nos cestinhos, levando sua palavra de apoio e motivação a quem ainda estava com os “pãezinhos no forno”, aguardando sua vez.
Além de todo esse esforço técnico de preparação – médicos, enfermeiras, hospital, palestras, cursos e ginástica -, posso dizer que isso foi uma das melhores coisas que a saúde pública austríaca me proporcionou: novas amizades não só para a minha vida, mas para a vida do meu pequeno, já que, provavelmente, seus primeiros amiguinhos sairiam dali – o que, de fato, ocorreu.
E para quem está sozinha, numa terra estranha, numa cultura diferente, sem parentes, sem família, apenas com o marido, toda essa máquina à sua disposição traz muita tranquilidade. Até que chega, de fato, o grande dia – no meu caso, a grande noite – para testar tudo o que se aprendeu e treinou. Mas isso… Isso já é conversa para o próximo texto.
18 Comments
Nossa é de causar inveja, emoção e raiva ao mesmo tempo. Consequência dessa policaticagem maldita que temos nesse País que eu não tenho mais os sentimentos que existia em mim. Parabéns Aninha
Sim, Simone. Quando eu recebia esses atendimentos de saúde, também tinha a mesma sensação que tu: por que no meu país não pode ser um pouquinho parecido? Só um pouquinho que seja. Mas, conforme respondi em outro post, aqui, isso é fruto de muita educação do povo. Séculos de educação decente. O dia em que nós, Brasil, entendermos isso – e tu como educadora, sabes melhor que eu -, estaremos salvos! Beijão!
Lindo texto, Ana. Emocionante e Inspirador! Quanto tempo ainda levaremos para chegar a esse nível de respeito ao ser humano aqui no Brasil?
Oi, amada! Obrigada! Acho que no dia em que educação for prioridade. Sem isso, a meu ver, não temos muitas chances de solução!
A chegada da vida como deve ser: com respeito! Lindo texto, Ana!
Oi, Michelle.
Obrigada por comentar.
Sim, o respeito e o diferencial mesmo! Tens toda a razão!
Muito obrigada.
Beijão!
Poxa Ana,adorei ler sobre este lado humanitário dos austríacos. Já sabia que era assim,pois minha prima Ianara nasceu ai, e minha tia Carol só fala maravilhas da saúde pública austríaca,mas saber disso por uma outra pessoa ,só me faz apaixonar ainda mais por este lindo país sem ainda nem conhecê- lo.
Irei a passeio para a Áustria dentro de 14 meses e tudo que encontro sobre este povo estou lendo,até mesmo coisas sobre gravidez,fraldas e bebês…..mesmo sem ter um e nenhuma intenção de encomendar um nos próximos 6 anos.
Parabéns pelo texto e mande notícias do pequeno austríaco sonhos brasileiro.
Abraços.
Oi, Daniele!
Muito obrigada por ler e comentar.
Nos próximos textos descreverei o parto e pós-parto.
De fato, em comparação com a nossa realidade brasileira, todo esse aparato de saúde pública parece conto de fadas. Mas… na verdade, isso é factível e real aqui.
O povo austríaco é, sim, bastante focado na humanização dos seus processos e procedimentos, sem que isso comprometa a eficácia e a precisão de tudo o que fazem, tanto que no meu primeiro texto, “Choque cultural ao contrário”: https://brasileiraspelomundo.com/austria-o-choque-cultural-ao-contrario-371627269, tu encontras a exata fusão desses componentes: a humanização e a eficácia empregadas na preservação do futuro da nação. Claro que, como em todo o lugar do mundo, há os preconceituosos, há os radicais e há os “sem noção”. Todavia, o que noto, aqui, é que em razão do alto grau de educação e cultura do povo, a voz dos bons, na grande maioria das vezes, se eleva em número maior.
Desejo que comproves tudo ao vivo e a cores, quando aqui visitares!
Grande abraço e até a próxima!
Ola Ana, estou indo para Viena e estou gravida de 20 semanas, sera que consigo atendimento publco assim tambem? Estou com medo, mas meu marido precisa ir, exigencia da empresa e nao quero estar longe dele na hora do parto. Poderia me dar mais informacoes sobre o hospital que procurou?
Alô, Erika.
Inicialmente, parabéns!
Segundo: obrigada por ler e comentar.
Acredito que a empresa do teu esposo esteja providenciando a documentação de legalização de vocês. Isso facilita as coisas.
De qualquer forma se até lá ainda não estiverem cadastrados no sistema público, acho muito improvável que tu não recebas atendimento algum. A Áustria tem por tradição praticar um estado quase super social, então, fique tranquila.
Aqui, o funcionamento quanto ao hospital de nascimento da criança é um pouco diferente: tu tens de cadastrar o nascimento (com a data provável fornecida pelo médico) do bebê no hospital próximo de onde resides. Seria interessante saber onde vocês morarão e procurar o hospital mais próximo dali. Isso se explica pelo fato de, no momento do nascimento, evitar-se grandes deslocamentos da mãe, o que minimiza em muito qualquer imprevisto, como rompimento de bolsa ou algo do gênero. E, caso ocorra, já se está bem perto do hospital.
Aconselharia que assim que chegarem, visitem um obstetra para tirar todas essas dúvidas e já verifiquem também qual é o hospital mais próximo de vocês.
Infelizmente, onde ganhei meu pequeno, toda a ala de maternidade foi desativada, então, não seria uma opção.
Desejo toda a sorte do mundo e muitas felicidades.
Grande abraço.
Ana, procurei nos seus textos mas não encontrei se você estava trabalhando na Áustria enquanto estava grávida. Minha dúvida é: se eu estou desempregada (porque ainda não encontrei um emprego bacana) e fico grávida, o governo ajuda da mesma forma? A gestante tem alguma ajuda financeira (como por exemplo o salário maternidade) ou não? Obrigada.
Alô, Bruna.
Obrigada por ler e comentar.
Não, eu não estava trabalhando, pois cheguei na Áustria e logo engravidei. Então, o auxílio é dado a todos aqueles que têm seus documentos em dia, que estejam legais no país. Tive uma colega romena, que ganhou o menino junto comigo, e não tinha nenhum documento. Eles não tiveram direito nem a dar entrada no processo de recebimento dos valores.
Abraço.
Ana Dietmüller
Oi Ana!
Seus textos são excelentes! Você escreve com clareza e consigo imaginar as cenas do que vou lendo. Muito legal! Parabéns pela escrita.
Estou indo morar em Viena em Outubro (2019), eu e meu marido somos brasileiros e ele está indo como expatriado, logo teremos todos os documentos legais.
Não devo conseguir emprego antes então não terei direito a licença maternidade.
Minha pergunta é se, mesmo meu filho não sendo filho de austríaco, terei direito a todas essas coisas do sistema de saúde e também do auxílio Karenz?
Outra dúvida é sobre plano de saúde. Aí tem plano de saúde ou o somente o sistema público para ter filhos?
Estou animada e quem sabe a gente se conhece aí em Viena 😉
Alô, Raquel.
Muitíssimo obrigada por ler e comentar. Fico feliz em saber que consigo transmitir um pouquinha da vivência daqui através de meus textos.
Vamos por partes:
1) Quanto ao plano de saúde: existem, sim, planos privados além do sistema público.
2) Quanto ao “auxílio maternidade”: trago a situação de uma colega de maternidade (éramos vizinhas de quarto e ganhamos as crianças quase no mesmo dia) cuja nacionalidade, dela e do marido, era romena e, por questões de emergência (estavam visitando o cunhado dela e ela teve complicações sérias com a gravidez, não mais podendo deixar a Áustria) teve de ganhar o menino aqui em Viena: ela teria direito a todos os benefícios se estivessem com a documentação em dia para morar aqui, mas como estavam como “turistas”, não foi possível conceder a ela os benefícios.
Há outro ponto: infelizmente, nesse meio tempo, tivemos um governo composto por partido político de extrema direita que não era simpático a auxílios sociais a estrangeiros (graças a Deus, esse governo foi deposto e uma vertente nova e democrática assumiu
recentemente), então, não sei se não ocorreram mudanças na legislação a esse respeito.
Deixo como dica, quando fores registrar o nascimento do nenê no hospital do teu distrito, perguntares se eles têm assistente social lá mesmo, ou onde, para que possas tirar todas essas dúvidas. A colega romena se consultou com a assistente social do próprio hospital onde estávamos e esclareceu tudo.
Desejo muita felicidade aqui na Áustria, uma boa hora quando ela chegar e quem sabe nos “topamos” por Viena.
Grande abraço.
Oi Ana!
Que bom encontrar o seu relato. Moro há pouco mais de um ano em Viena, eu e meu marido trabalhamos aqui. Descobri há poucos dias que estou grávida por meio de testes de farmácia. Agora estou perdidíssima em como encontrar um médico. Eu tenho o ecard e inclusive já fui atendida quando fiquei gripada no ano passado. Porém, você mencionou que foi à “unidade do “SUS” da cidade”. O que seria isso e onde encontro? Outro agravante é que, apesar de termos feito alguns meses de aulas de alemão, quase não entendemos a língua (está nos planos aprender, mas trabalhamos falando em inglês e temos uma rotina complicada de viagens), devo contratar uma tradutora para ir as consultas comigo? Estou perdida!
Oi, Cá!
Obrigada por ler e comentar e parabéns pela gravidez!
Fica tranquila. Eu fui à “unidade do SUS”, porque eu nem ecard tinha ainda. Tu já tens tudo na mão. Não precisas ir a um posto de atendimento. Precisas escolher um Frauenarzt (Ginecologista) e marcar a primeira consulta. Veja se alguma colega te indica um/a gineco bom/boa. Quanto ao alemão, eu também ainda não dominava a língua e, tanto o médico quanto a secretária, me atendiam em inglês sem problema nenhum. Creio que não seja necessário contratar uma tradutora, mas se te sentires mais à vontade, é também válido.
Vai dar tudo certo. Fica tranquila e, se tiveres mais dúvidas, pode me acionar.
Abração!
Gostaria de saber de lojas para comprar coisas de bebê e carrinho por aí, em especial em Viena! Obrigada
Alô, Ana!
Obrigada por ler e comentar.
Coisas de bebê e carrinho: 1)Kika, 2)Leiner, 3)Babywalz, 4)Smyths (antiga Toys ´r Us).
Aqui é muito comum comprar coisas usadas (carrinho, cadeirão, e até roupas) para o primeiro filho. Se quiseres experimentar (eu recomendo, pois fizemos assim, como quase todos os austríacos que conheço) tem o site Willhaben: https://www.willhaben.at/iad
Espero ter auxiliado.
Abraço!