Bobo ou Beauf? Estereótipos da sociedade francesa.
Às vezes, a gente escuta algo como “ah bio, isso é coisa de bobo”, “regata, a é muito beauf” e “briga por causa de promoção de Nutella, típico da racaille (termo pejorativo que assinala o que é desprezível, equivalente à favelado no Brasil)”!
A gente acredita que a França é um exemplo de sociedade igualitária, mas ao morar aqui percebemos que não é bem assim. A sociedade é dividida em classes: aqui tem milionário, rico, classe média, pobre e gente muito pobre também. Em escalas diferentes das do Brasil, mas tem também!
Existem dois grupos sociais que se atacam continuamente. Os bobos e os beaufs. Eles são opostos nos valores e em suas respectivas culturas.
Mas afinal de contas quem são as pessoas que formam estes grupos e quais são seus sinais de distinção?
O conceito “bourgeois-bohème”, por isso bobo, apareceu nos anos 80 com o jornalista David Brooks autor do livro Bobos in Paradise, que descreve o surgimento de uma nova burguesia no centro das grandes cidades americanas e europeias. O autor designa através deste termo a evolução e a transformação dos yuppies dos anos 80, que passam a rejeitar os códigos e o modo de vida da burguesia tradicional, preferindo as profissões da aérea da informação e de uma sociedade pós-moderna onde as elites negam de se conceber como tais. Os bobos se esforçam, então, em revisitar a figura da burguesia para ridicularizá-la e descolar da sua imagem a inspiração aristocrática e a visão anti proletária.
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É uma classe social de contornos, às vezes, indefinidos e difíceis de limitar, entretanto, é fácil reconhecê-los através de alguns sinais. Abaixo, leia os 8 sinais para identificar um autêntico bobo:
- O bobo é um esquerdista convicto, mas não é bobo e investe nos bancos de direita. Eis o dilema, pois no fundo no fundo ele é um burguês com valores respeitáveis e um nível de exigência incompatível com seus ideais.
- O bobo é um pequeno príncipe da sociedade da informação. Ele acredita que através dos inúmeros avanços tecnológicos a sociedade poderá ter mais conexões humanas.
- O bobo é um adepto da festa e da sociedade convivial. Todo espaço é palco para a diversidade social o que, segundo eles, geraria maior compreensão e aceitação do outro a ponto de se alcançar a harmonia universal (trilha sonora de fundo: Imagine, dos Beatles!).
- Os bobos adoram a diversidade social, mas não tanto assim. Ele é um ser do discurso e não muito da prática. Ele acusa as desigualdades e defende as minorias, mas dentro dos limites racionais, por favor!
- Há cerca de 20 anos, houve uma nova configuração social nos distritos mais populares (19e, le 20e, le 11e, le 12e e até mesmo no 13e). A instalação dos bobos nestas regiões reabilitou zonas até então esquecidas, o que foi bom, porém, os valores imobiliários explodiram e, atualmente, muitas famílias originárias destes bairros tiveram que abandonar seus imóveis.
- O bobo é consciente: adora o que é bio, fazer coleta seletiva, ele é ecologista e sempre que pode se desloca com bicicleta, mas não abre mão de uma longa viagem de avião.
- O bobo, quando sai de Paris, acha vai desbravar o desconhecido, inaugurar novas terras. Ele sai no modo Cristovão Colombo feelings!! É um adepto da autenticidade. Adora encontrar lugares escondidos, não muito frequentados, cantos perdidos com uma culinária única. Ao retornar, quer contar sua aventura e recomendá-la a todo custo. “Estive em Sihanoukville, não no verão, pois prefiro algo mais intimista e tomei uma caipirinha de sakê com limão caviar, feita por um filipino maravilhosa, você precisa ir, você vai adorar!”.
- Do quê o bobo não gosta? De marcas visíveis, lembre-se de que ele cresceu neste meio, sabe reconhecer e apreciar boas coisas. Mas isso o lembraria de suas antigas raízes, o bobo jamais voltará a morar no 8ème ou no 16ème. Jamais!
Dizem que a expressão, que não é uma simples contração de beau-frère (cunhado), revela uma outra sigla que vem de bof: beurre oeufs fromage, (manteiga, ovo, queijo). No período da Segunda Guerra Mundial, as restrições alimentares promoveram o mercado negro. Sob este letreiro, alguns comerciantes fizeram muito dinheiro nas costas dos mais pobres. A sigla virou insulto para designar, desde então, uma pessoa sem ética e sem escrúpulo.
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Logo, o Beauf é aquela figura da sociedade que descreve um homem limitado, vulgar, arrogante, indiferente aos demais, machista, racista e sem qualquer gosto por etiqueta ou boas maneiras. A expressão surgiu nos anos 70 com Cabu (caricaturista do Charlie Hebdo) que se inspirou em seu cunhado, o desenhou como um gordo, com bigodes, preguiçoso. Esse francês médio, representa um conjunto de características que são, muitas vezes, criticadas exatamente pelos Bobos. Eles se detestam! Alguns sinais para reconhecê-los:
- Ele adora a TV aberta e faz maratonas de Reality Show franceses, é claro. É um nacionalista orgulhoso. Seu lema: se não é francês, não presta! Limitação mode on.
- Ele tem um estilo notável: usa conjunto de moletom, chinelo com meia, camiseta com estampas (feias), tem tatuagens que é incapaz de explicar, usa óculos escuros o tempo todo e por aí vai.
- Mudança no prédio, na vizinhança…quem será? Opa! Ele e os amigos estão bebendo cerveja às 9h30 da manhã, ouvindo música baranga no último volume, gritando uns com os outros, mas, segundo eles, é só uma conversa animada! Fazem fotos das bundas e desenham um pênis com a própria urina na rua. Hummm, o que comentar né,
na dúvida procure uma agência imobiliária! - Repreender e dar lição de moral a desconhecidos: o esporte preferido do Beauf. Eles têm certeza de que são um modelo a seguir. Qualquer ação que os desagrade, ou os surpreenda será passível de “correção” com toda aquela psicologia, hein!
- Você está no Mc Donald’s e ouve arrotos seguidos de gargalhadas? Um grupo de mini-beaufs em desenvolvimento também! Olha que experiência (para nunca repetir) sócio-cultural imperdível! Desejo que fiquem apenas no arroto e que você não tenha que testemunhar outros barulhos estranhos enquanto come seu lanche! Boa sorte!!
- Ele é o rei da festa (só que não!)! Sabe aquele tipo que solta frases do tipo, “é pavê ou pacomê”, “puxa meu dedo”, “até ano que vem (todo dia 31 de dezembro)”? Então…é ele! E o pior, ele morre de rir dessas piadas
- As aventuras dos beaufs: ultrapassar os demais motoristas, mostrar o dedo do meio para a polícia, ter sempre razão.
- Conservar tudo o que comprou quase intacto para não perder dinheiro quando for revender é muito beauf.
Enfim, dois grupos complexos e que dificilmente se entenderão um dia. Os dois estão certos de seus valores e de suas visões de mundo. A falta de abertura e visão de mundo dos Beaufs coloca a França sempre em risco durante as eleições com o crescimento da extrema direita. A incoerência e a hipocrisia dos Bobos menosprezam a capacidade de compreensão de quem pensa diferente deles, eles acham que são de fato o modelo a ser seguido por todas as camadas sociais, mas eles não se dão conta de como foram e são privilegiados.
3 Comments
Desculpa perguntar, mas o que seria um “banco de esquerda” para você?
Excelente !!! Vou reler mais três vezes.
Interessante a explicação de beauf. As definições que eu vi anteriormente limitavam muito esse termo a radicais de direita, mas é realmente um estilo de vida que vai além de visões política. (tem até porcaria, falta de higiene e piadinha de tio no meio!)