Nunca foi tão importante conhecer o sistema da previdência no Chile. Desde que o governo brasileiro encaminhou ao Congresso a proposta de reforma previdenciária todo mundo quer saber mais sobre como funciona o pagamento das aposentadorias por aqui. O ministro da economia, Paulo Guedes, não esconde sua admiração pelo modelo chileno. Para conhecer o famoso sistema das AFPs (Administradoras de Fundos de Pensão), selecionei bastante informações neste artigo. Confira!
Como funciona?
De acordo com o portal da Superintendência de Pensões (Superintendencia de Pensiones – SP), o sistema de capitalização individual obrigatória funciona assim: todos os trabalhadores devem depositar cada mês um percentual de seu salário ou rendimento numa conta pessoal em uma Administradora de Fundos de Pensão (AFP). Esses recursos têm como objetivo financiar a pensão futura que a pessoa vai receber durante a aposentadoria.
A poupança da pensão é realizada através da contribuição ou depósito numa conta de AFP de um montante equivalente a 10% da remuneração ou renda tributável do trabalhador, mais outro percentual que corresponde à comissão que a AFP cobra para administrar essa conta e o percentual adicional para ter acesso ao Seguro por Invalidez e Sobrevivência (SIS).
O que são as AFPs?
O modelo das AFPs foi implantado no governo de Pinochet e exportado para outros países como Argentina e Peru. As AFPs são empresas que, de acordo com o estabelecido pela lei, investem a poupança dos contribuintes em instrumentos do mercado financeiro – como ações, depósitos a prazo, notas promissórias, moedas, etc. – para gerar lucratividade com o tempo. O rendimento desses fundos, baseado em flutuações do mercado, é decisivo para determinar a quantidade de dinheiro que cada pessoa terá acumulado quando chegar a hora da sua aposentadoria.
A pensão atribuída não é definida em função das últimas remunerações, mas numa equação que considera: o saldo total acumulado durante o período de depósito na poupança, a expectativa de vida, as condições do mercado e a composição familiar.
Um negócio lucrativo
O dinheiro aplicado pelas administradoras sustentou os mercados de capital, o que estimulou o crescimento econômico e produziu rendimentos consideráveis. Atualmente, seis AFPs administram US$ 171.000 milhões em fundos de pensão, o equivalente a 71% do PIB nacional. Destas empresas, a metade pertence a grupos estrangeiros.
Uma análise do Centro de Estudos Alternativos (CENDA) constatou que, em dezembro de 2016, o sistema coletou mais do que o dobro do que pagou. “Ou seja, de cada quatro pesos arrecadados em contribuições compulsórias, o sistema da AFP se apropria um pouco menos de três, que nunca são devolvidos”, conclui o relatório.
Altos rendimentos, aposentadorias… nem tanto!
Apesar dos ganhos milionários, para a maioria dos aposentados, o pioneiro sistema privatizado não conseguiu fornecer pensões com as quais se possa viver. E, de acordo com seus críticos, os chilenos mais pobres recebem uma pensão final abaixo do salário mínimo, menos de US $ 400. Se o mercado de ações cai ou os investimentos vão mal, a poupança dos trabalhadores e a aposentadoria também caem.
Mas se os aposentados não se beneficiam com esse sistema, para onde vai todo esse dinheiro arrecadado? Os principais beneficiados com o negócio das AFPs são os grandes grupos econômicos do país, como bancos e as transnacionais de setores como mineração.
A Fundación Sol avalia que 40% dos fundos de pensão são investidos no exterior e ao redor de 15% em grandes empresas nacionais, em bônus e ações, O Estado é outro grande beneficiado com esses investimentos, chegando a receber cerca de 25% do total dos fundos, enquanto o setor financeiro arrecada cerca de 20% da poupança dos trabalhadores.
Trabalhadores x trabalhadoras
Os números são ainda piores para as mulheres. A mesma Fundação identificou uma diferença de 42% entre as pensões de homens e mulheres. Algumas delas se aposentam antes (aos 60 anos) e contribuem menos durante sua trajetória profissional.
Essas mulheres fazem parte dos setores econômicos com menor remuneração e têm uma expectativa de vida mais alta. Geralmente, deixam de trabalhar para cuidar dos filhos e da casa, o que gera interrupções no trabalho e, consequentemente, mais períodos sem contribuir.
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Protestos nas ruas
O sistema das AFPs substituiu outro no qual os trabalhadores pagavam uma contribuição ao Estado para financiar as aposentadorias dos atuais aposentados. A expectativa era de que os futuros trabalhadores contribuíssem, por sua vez, quando se tornassem aposentados. No esquema anterior, o montante da pensão era fixo e conhecido antecipadamente.
Quando se trata de garantir os direitos básicos à cidadania, a previdência social é um dos grandes desafios no Chile, junto com a educação e a saúde. “Nenhum governo, desde a volta da democracia, teve força para gerar mudanças estruturais no assunto da previdência, tudo o que se fez tem sido na lógica de modificar com medidas paliativas”, afirma Carolina Espinoza em recente entrevista na imprensa local.
Espinoza é líder sindical da Confederação dos Funcionários de Saúde Municipal (Confusam) e porta-voz da Coordenação “No Más AFP”, movimento que começou em 2016, quando a sociedade chilena passou a reivindicar mudanças, inclusive, pedindo a volta ao antigo sistema de distribuição solidária. O debate se instalou com força na agenda social, política e midiática e os protestos levaram multidões às ruas em todos o país.
Uma das medidas paliativas foi implantada na gestão de Michelle Bachelet, em 2008. O governo adotou uma pensão mínima de aproximadamente US$ 130, financiada pelo Estado, para quem não conseguiu economizar para a aposentadoria em vida. Também definiu pagamentos adicionais para aposentados cujas pensões não chegassem a esse valor. Mais de 1,3 milhões de chilenos, dos quais dois terços são mulheres, recebem essas prestações.
O que dizem as AFPs?
Os fundos de pensão não estão nada contentes com as críticas. A Associação dos Administradores de Fundos de Pensões afirma que as pensões baixas são uma consequência de vários fatores: contribuições insuficientes ou irregulares por parte de muitos trabalhadores autônomos ou instáveis, temporários ou com baixas remunerações.
Também reclamam que alguns empregadores não enviam o dinheiro descontado dos salários dos empregados. Um estudo realizado pela associação mostrou que apenas um quarto dos que se aposentaram no ano passado fizeram contribuições para o sistema previdenciário por mais de 25 anos e que 62% das mulheres haviam feito contribuições para suas contas durante menos de 15 anos.
O assunto é polêmico porque justamente quando a população chilena começa a questionar a eficácia desse sistema, o governo do Brasil aponta-o como um modelo a ser seguido. Para quem quiser aprofundar-se no assunto, vale a pena conferir o artigo do jornalista da CNN Chile, Daniel Matamala, com um detalhado histórico sobre esse modelo, os problemas que nunca foram solucionados desde sua criação e exemplos de outros países com experiências que poderiam funcionar no Chile e, obviamente, no Brasil também.