Se você está passando por esse dilema ou já passou, então senta aqui que a conversa é contigo! Primeiro, devo dizer que entre uma decisão e outra há um lapso de 13 anos. Muita água rolou por baixo da minha ponte – inclua nisso um casamento, uma filha que é a razão do meu viver, um divórcio conturbado e um retorno ao Brasil, seguido de uma pós-graduação, muito suor, sangue e lágrimas, mas também uma jornada incrível de aprendizado e autoconhecimento – e a convicção de que não foram as mesmas pessoas que tomaram essa decisão de partir do Brasil.
Circunstâncias totalmente diferentes, bagagem emocional e experiência de vida idem, uma nova forma de encarar as situações, outro nível de compreensão do idioma, enfim tudo me levou ao Japão através de
caminhos diversos do que experimentei da primeira vez. E a prova de que nunca nos banhamos no mesmo rio, porque suas águas nunca são as mesmas.
Leia também: Dá para morar bem no Japão sem ser japonês?
Isso é apenas para dizer a você, que já esteve no Japão e conhece muito bem as dores e as delícias de se viver na Terra do Sol Nascente, e muitas vezes se pergunta se ainda vale a pena, que tem seus medos e até traumas que adquiriu na sua passagem por aqui, que a vida pode nos surpreender sempre. Mesmo aquilo que julgamos conhecer tão bem pode ser uma fonte inesgotável de crescimento e novos desafios.
Fato é que você está neste momento lendo esse meu texto aqui no BPM, algo que nunca imaginei fazer
um dia, e que confesso estar me tirando da minha zona de conforto, mas que espero se torne mais uma grande experiência, fruto dessa minha busca incessante pelo que eu chamo de ˮa minha verdadeˮ.
Encarar a si mesmo e ao mundo
O que me leva a falar da primeira vez que vim ao Japão. Vinte e poucos anos, recém-formada na faculdade, aquele misto de euforia com que você chega ao mercado de trabalho, o medo de encarar ˮa selvaˮ lá fora com a humildade do seu diploma fresquinho na mão, mas aquela vontade imensa de abraçar o mundo e viver! Mas aí, a danada da vida parece que sempre arranja um jeito de puxar o nosso tapete, aplicar aquela rasteira, e bum!
Você do nada se vê terminando um relacionamento, jogando o emprego pro alto, brigando com a família e com a cara e a coragem resolve ir pro outro lado do mundo, onde ninguém te conhece e pensa: essa é a minha chance de reescrever a minha história! Atire a primeira pedra quem nunca teve esse
fetiche…
Bom, primeira vez de Japão, mal falava o idioma (meus pais investiram no meu aprendizado do inglês, quanta ironia, por julgarem que seria mais útil do que a língua dos meus antepassados; não me levem a mal, o inglês sempre foi essencial para mim, mas eu gostaria de ter aprendido as duas línguas se pudesse voltar no tempo).
O que eu conhecia da cultura japonesa era aquilo que eu vivia em família, mas nada tão profundo, até porque no Brasil eu morei muitos anos no Nordeste sem muito contato com a minha herança nipônica. Um típico caso de aculturação nas gerações seguintes dos imigrantes, que com o tempo se distanciam das suas origens para ir adquirindo os traços da cultura do país que os recebeu, comum em todas as nacionalidades e ao redor do mundo.
Leia também: Como morar no Japão me deixou mais brasileira
Junte-se a isso o ímpeto da juventude, podemos dizer que foi a receita para muitas cabeçadas, que certamente renderam além de muito estresse, enrascadas mil, mas também amizades incríveis, gargalhadas intermináveis e momentos memoráveis que se transformaram em histórias para contar até os netos, bisnetos ou o que a vida me permitir.
Muitos estrangeiros buscam no Japão uma experiência transcendental, um caminho para a iluminação espiritual, assim como na Índia ou outros países famosos pela sua espiritualidade, gurus, templos… o que eu posso dizer da minha vivência é que de nada adianta o lugar, os meios ou as pessoas se você não estiver de fato preparado internamente pra essa busca. ˮAhh, mas como eu vou saber que estou preparado?ˮ. Você vai sentir. ˮSó isso?ˮ Só.
Quero dizer ˮsó tudo issoˮ; porque até você chegar nesse ponto a vida te dá tantos solavancos, que eu mesma em muitos momentos cheguei a duvidar que teria forças para continuar. E nessas horas a gente precisa estar de coração aberto para perceber os pequenos sinais que o universo envia, dizendo que você precisa mudar. Assim começou a busca pela minha própria verdade.
Não aquela que minha família, meus amigos ou os padrões que a sociedade costumam impor, mas aquilo que de fato tocava a minha alma. Não existe uma fórmula mágica para isso, cada um sabe (ou deveria saber, digo deveria porque eu acho que muita gente não despertou a própria consciência ainda de quem é, o que de fato deseja e busca) que caminhos deve percorrer pra alcançar a sua verdade.
O meu, após um mergulho intenso no caos da rotina de ser mãe solo, no turbilhão emocional de reconstruir a minha própria identidade após o divórcio, veio com a meditação. Que, aliás, muita gente imagina ser aquela prática para se acalmar e relaxar, mas no meu caso foi a última gota que faltava para transbordar meus questionamentos internos, minha visão de mundo, minhas hipocrisias e meus medos.
Foi, a princípio, como tacar sal na ferida exposta. Sem querer assustar ninguém – há quem curta meditar para colocar uma musiquinha suave, um incenso, nada contra. Mas a meu ver – e eu não quero de forma alguma impor a minha forma de encarar as coisas pra ninguém, que fique bem claro em todos os meus textos – a meditação tem muito mais ligação com o autoconhecimento, e isso significa se olhar e se aceitar, com tudo o que você tem de bom e de ruim, sem filtros nem máscaras.
E isso não é nem de longe um processo fácil de se atravessar. Se serve de incentivo, depois que você passa por esse ˮcaminho em brasas com os pés descalçosˮ vem a fase de cura, de perdão e acima de tudo, de mudança. E se isso significar mudar de hábitos, de relacionamentos, de emprego, ou de país, faça!
Porque essa voz que você despertou não vai se calar enquanto você não se mexer e fizer aquilo que precisa. Não que você precise chutar tudo pro alto de uma vez… Pelo contrário! Todo mundo tem contas a pagar, responsabilidades e compromissos a cumprir (quem tem filhos, então, precisa ponderar muuuito antes de qualquer decisão, e em uma outra oportunidade eu abordo essa questão com mais calma).
Mas uma vez que você percebeu que precisa ajustar a rota da sua vida, comece a se preparar: pesquise a respeito, procure oportunidades relacionadas ao que lhe interessa, arrisque novas experiências e vá formando bagagem para a tão desejada mudança.
Você irá perceber que, aos poucos pessoas interessantes irão surgir, novas portas vão se abrindo e quando você menos esperar… Já estará respirando novos ares. E que, mesmo com todos os tropeços e percalços, a
satisfação e a felicidade de estar vivendo na sua própria pele não há dinheiro que compre!
2 Comments
Prezada Hasu, li com bastante interesse seu artigo. Tem muito tempo que eu também vivo fora do Brasil ( Holanda) e confesso que muitas das vezes me vi retratada em seu relato. Claro que sua trajetória foi diferente da minha , mas certamente temos muitas coisas em comum. Eu também sou dentista e eu também lutei muito para conseguir meu lugar na sociedade holandesa e apesar de eu ser bem mais velha que vc, ainda continuo na busca de minha mudança interior. Parece que vc está no caminho certo. Parabéns!!
Que bom,Eliane! Fico muito feliz com seu comentário e por saber que apesar das circunstâncias serem diferentes temos tanto em comum e que você possa ter se sentido representada pelas minhas palavras. Imagino que você tenha uma linda e inspiradora trajetória, certamente me espelho em mulheres como você para seguir firme diante dos obstáculos. Um brinde a todas que seguem buscando sua verdade pela vida e pelo mundo afora!