O inverno vai chegando ao fim e, com os ares da primavera, chegamos também ao período de Declaração de Imposto de Renda que, no Japão, vai de 16 de fevereiro a 15 de março (clique aqui para maiores detalhes sobre quem deve fazer e quais os documentos necessários). E aí bate o desespero em quem não é fluente no idioma (como eu), nunca fez o procedimento, ou detesta mexer com papelada e documentos. No Brasil eu sempre deixei tudo a cargo do meu contador. Aqui eu não tinha muita escapatória e, quando ainda era casada deixava isso por conta de meu ex-marido, até por ele ser fluente no japonês. E aqui, vai um conselho a todas as mulheres: não façam como eu!
Eu sei que já vivemos, na maioria das vezes, às voltas com múltiplas jornadas de trabalho (quem tem filhos como eu então, nem se fala) e a vontade de ainda mexer com isso é praticamente nula, mas se puder, procure se informar sobre os procedimentos e, se tiver a oportunidade, faça. Conhecimento sempre foi a melhor forma de garantir independência e isso, particularmente para quem vive um relacionamento abusivo, pode fazer muita diferença. Uma boa ideia se você encontrar espaço para o diálogo, é inverter os papéis de vez em quando: cuide das documentações enquanto deixa os afazeres domésticos e os filhos com o companheiro, assim cada um pode perceber as dificuldades que o outro enfrenta, aumentando a cumplicidade e exercitando a compreensão mútua, o que certamente trará benefícios ao convívio do casal.
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Na internet você encontra links para o site da Receita Federal com explicações sobre como preencher o formulário e até mesmo fazer a declaração via internet. Da primeira vez eu fiz assim e não tive maiores dificuldades, até porquê não havia muito a declarar sobre meu primeiro ano de Japão, em termos de despesas médicas e outros gastos passíveis de dedução do imposto. Mas este ano que passou, com a chegada da minha filha, que até então não estava morando comigo, muita coisa mudou, desde a sua inclusão como minha dependente, a gastos com seguro saúde e aposentadoria, por exemplo. Mudanças essas que acabaram gerando um valor a ser restituído (não é muita coisa, mas como dizem por aí, melhor do que nada).
Em dúvida sobre como fazer isso e aproveitando a coincidência da folga no trabalho, optei por ir ao escritório da Receita Federal em minha cidade, onde eles oferecem assistência para a declaração. Lá fui eu, com a pastinha embaixo do braço e meu japonês meia-boca (ainda estou em processo de aprendizado) sem saber se conseguiria fazer sozinha, ainda que a intérprete da prefeitura, em sua imensa boa vontade, tivesse se colocado à disposição para me ajudar, via telefone, no que eu precisasse. E aí está a importância de você saber com antecedência tudo o que necessita e manter tudo organizado em uma pasta. Isso facilita muito o processo, em qualquer lugar do mundo. E se aceitam mais um conselho: aproveite a oportunidade para aprender um pouco mais o idioma (lembra a conversa sobre independência?). Treine os kanjis dos documentos, aprenda os seus nomes e para que servem, além de praticar a conversação com os consultores da Receita Federal.
Enfrentando a multidão
Chegando lá, me deparei com uma multidão de gente e o desânimo já contaminou meu humor, lembrando das imensas e intermináveis filas de banco no Brasil. Como, segundo a recepcionista, aquela levaria cerca de uma hora apenas para chegar ao consultor, já fui dando adeus ao meu dia de folga, sem qualquer esperança de poder aproveitá-lo. Pois bem, independente de qualquer queixa minha sobre viver aqui, uma coisa da qual não posso falar mal é da eficiência e organização nas repartições públicas. Em poucos minutos eu já estava diante do consultor fiscal da Receita Federal, que fez todos os cálculos para mim, tirou minhas dúvidas usando palavras fáceis de entender e até, em um gesto de simpatia, “lamentou” que por pouco eu não conseguiria o abatimento por despesas médicas (ao que eu respondi: “dos males o menor”, afinal se eu gastei menos com médicos foi porque a saúde se manteve boa no ano que passou e assim eu gostaria que continuasse. Ele concordou prontamente comigo, aos risos – e tem quem diga que japonês é antipático).
A parte mais demorada foi inserir os dados em um dos vários computadores disponíveis no local, com direito a uma breve discussão sobre como escrever meu nome no formulário (usar ou não kanji, katakana ou romaji – as letras do alfabeto romano – pelo fato de eu ser estrangeira). Aqui eu faria apenas a ressalva de que, pela grande quantidade de pessoas sendo atendidas, às vezes os funcionários podem se confundir, o que aumenta a importância de você compreender o idioma e saber se fazer entender, bem como se informar previamente sobre a declaração. Porque, mesmo elogiando a eficiência japonesa, errar ainda é humano. Terminada esta etapa, caso seja necessário, eles imprimem o formulário preenchido no local e recolhem a declaração. Se houver valor a ser restituído ele será depositado em sua conta bancária após algum tempo.
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Dever cumprido em bem menos tempo do que o imaginado e, mais importante, a sensação de orgulho que um desafio vencido traz e a prova do quanto você está evoluindo, inclusive no conhecimento do idioma. Isso também contribui para que, aos poucos, a sua confiança em si mesma se torne cada dia mais presente. Pequenas grandes vitórias podem significar muito para quem está reconstruindo sua identidade e sua vida (hoje eu responderia àqueles que um dia me disseram que eu não servia nem para abrir uma conta em banco por não saber o idioma, que nunca menosprezem a capacidade de alguém de aprender e crescer. Humilhar os outros apenas para se sentir superior, nunca foi uma qualidade digna de pessoas verdadeiramente fortes).
Ah! E antes que me perguntem o que eu fiz com o meu dia de folga, já que demorei menos do que esperava, eu digo: trabalhador até nisso se lasca, porque o tempo estava chuvoso (pergunta se no dia de labuta não faz um sol lindo e maravilhoso lá fora?). Só que quando você aprende a dançar na chuva, você enxerga uma oportunidade em cada pequena coisa, e isso acabou me levando a um pet café que acolhe animais abandonados, com lindas histórias para contar. Mas isso fica para uma outra conversa.