Só quem mora fora sabe a dor e a delícia que é lidar com a cultura de outro país, não é?
Algo um tanto quanto curioso aconteceu há alguns dias, o que me leva a conversar com vocês sobre esse assunto que, se não é o mais importante, um dos mais: a questão cultural quando você mora fora do país, especialmente do outro lado do mundo.
Não sei se eu que não dei sorte, ou se é comum as AYI’s da China (como são chamadas as empregadas domésticas aqui), “quicarem” de serviço em serviço. Aqui cada hora é um problema, ou uma desculpa sem pé nem cabeça e elas chispam de casa e nunca mais dão as caras assim que recebem o salário. Elas evaporam!
Foi aí, que quatro tentativas após, fui surpreendida por uma pessoa extremamente do bem e esforçada: a ensinei a fazer algumas comidinhas brasileiras, ela prontamente pegou o jeitinho e começou a desenrolar o básico arroz com feijão no maior capricho, tinha a atitude de me preparar um lanchinho quando ficava horas a fio trancada no escritório, passava as roupas como ninguém e diferente das outras, tinha muita iniciativa. Sem falar no carinho que ela tinha com a minha filha de cinco anos, uma graça! Tem como não gostar de alguém assim?
Decidi dar mais uma função a ela e pedi que ficasse com minha pequena numa sexta à noite pois iria sair um pouquinho com meu marido, coisa que a gente nunca faz por aqui, justamente por não ter ninguém de confiança. Seu ônibus só iria até as 22h e eu disse para ficar tranquila, assim que chegássemos eu a pagaria um Didi (espécie de Uber aqui da China).
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Uma amiguinha de nove anos também veio para fazer companhia a minha filha e assim, saímos numa boa e sem muita pressa para voltar. Algumas horas depois, chego em casa e me deparo com as duas dormindo na maior tranquilidade, de pijamas e cuidadosamente cobertas, vejo que jantaram e tudo parece dentro dos conformes e a AYI, cadê?
A chamo inúmeras vezes com a esperança de que ela estivesse dormindo, ou talvez adiantando algum serviço, mas logo meu receio se confirmou: sim, ela foi embora e deixou duas crianças pequenas em casa, por pouquíssimo tempo, mas deixou.
A primeira coisa foi conferir se as duas estavam bem. Graças a Deus, pelo menos ela esperou as meninas dormirem para sair, pois ambas não a viram ir embora. Depois com a cabeça quente, meu marido que geralmente é o mais calmo e sensato dos dois, tirou o celular do bolso e foi conferir o que havia ocorrido. Ela achou que era para colocar as meninas para dormir e depois podia ir embora, assim como havia feito nos últimos quatro anos com a família de chineses que trabalhava.
Malandragem? Falha na comunicação ou apenas uma questão cultural?
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Naquela noite a minha certeza de que iria mandar ela para o olho da rua no outro dia deu espaço a uma mistura de empatia na tentativa de entender que ela realmente não fez isso com má intenção, e de que a questão cultural pode ter atrapalhado, além de uma terrível falha na comunicação de ambos lados: eu deveria ter sido mais explicita sobre o que queria, e ela deveria ter me perguntado se era para ficar aqui até nós chegarmos. Dormi com uma pulga atrás da orelha.
Pela manhã, ainda pensando o que faria a respeito, fui fazer as unhas com minha manicure, que também é chinesa. Ela, que mora em Shanghai há cinco anos, deixou os dois filhos em sua cidade natal e veio para cá tentar uma vida melhor, os filhos estão sendo criados no momento pelos avós paternos, essa é outra situação muito mais comum do que se imagina aqui.
Quando a contei sobre a noite anterior, ainda abismada, ela disse ser muito comum isso na China, uma vez que eles consideram aqui um pais muito seguro e “teoricamente” nada de ruim pode acontecer as crianças…Bom, eu realmente não concordo, mas enfim, costumes são costumes né? E cada país REALMENTE tem o seu.
A minha manicure se tornou uma grande amiga. Quando voltei de uma viagem do Brasil, trouxe um par de havaianas, quer presente mais “abrasileirado” que esse?
Ela agradeceu, mas não quis abrir na minha frente. Curiosa, na outra semana perguntei se tinha gostado e ela respondeu um simples e seco SIM. Descobri depois que os chineses têm costume de recusar presentes e, podem fazer isso várias vezes, se for necessário. E não é questão de ser mal ou bem-educados. Eles foram criados desta maneira.
Ainda estou me acostumando com a cultura dos chineses, e tem dias que realmente não é fácil entender certas manias e costumes, da mesma maneira que com certeza eles não devem compreender diversas coisas que fazemos, mas essa é a vida de quem mora fora do Brasil.
Bom, sobre a AYI, moral da história: decidi mantê-la. Afinal ela é uma ótima empregada e não babá e por via das dúvidas melhor não deixar mais a minha filha para ela cuidar. Cada um com suas virtudes né?