Já morei na Irlanda, na Espanha e agora nas Filipinas. Com esse histórico, posso assegurar que a culturas e posturas, tanto pessoais quanto profissionais, mudam muito de um lugar para outro. Alguns países, como a Alemanha, exigem que se faça um curso de integração, o que acho ótimo porque, além de se aprender o idioma, se aprende também um pouco da cultura.
Nas Filipinas, não recebi nenhuma introdução à cultura local nem tive aulas de filipino (nome oficial). Acredito que a Constituição filipina diz que o inglês também é idioma oficial para que nem as empresas que contratam estrangeiros nem o governo tenham que arcar com os custos de um curso, mas, embora todas as pessoas falem inglês com fluência nos ambientes de trabalho, todos eles preferem se comunicar em filipino, o idioma com o qual cresceram. Então, muitas vezes nós, estrangeiros, ficamos perdidos em conversas informais que acontecem no refeitório ou em happy hours. E todos sabemos que muitas conversas importantes acontecem fora das salas de reuniões.
Não falo o filipino porque sempre é possível se virar apenas com o inglês e nunca fiz esforço para aprendê-lo porque sempre era meu “último ano” aqui. E, como não há curso de integração, nunca fui forçada.
Muitos chamam os filipinos de “latinos da Ásia” e concordo com isso. Ainda que existam diferenças imensas (não se assustem, por exemplo, se alguém arrotar ao seu lado – é normal), existem muitas coisas que temos em comum, como o calor humano, o gosto pela fofoca, a intromissão na vida alheia e o “deixa que eu deixo”. Talvez não sejamos todos assim, mas, de forma geral, essas são algumas características comuns que vejo entre os povos.
O primeiro ambiente no qual trabalhei era bastante multinacional. As dificuldades que tive eram, basicamente, devido à comunicação: como o inglês não era o primeiro idioma de ninguém, sempre havia alguma frase mal falada ou mal interpretada. Nesse ambiente, percebi que a forma como alguém se comunica no seu idioma não pode ser literalmente traduzido em outro porque a cultura individual, assim com a nacionalidade de cada pessoa, conta muito sobre como os assuntos são interpretados.
Quando passei a trabalhar com uma equipe composta pela maior parte de filipinos, percebi que muitos me temiam porque falava alto, era muito direta e chamava muito a atenção.
A maioria dos filipinos é bastante tímida. Eles são calados e, quando falam, o fazem em tom baixo e tapam as bocas com as mãos quando riem. São, geralmente, bastante respeitosos e sempre se dirigem aos mais velhos (não importa se a diferença são apenas alguns anos) e àqueles que ocupam uma posição superior como ma’am, sir ou “po” que é um pronome de tratamento em filipino para ambos os gêneros.
Então, imaginem essa pessoa aqui, que parece asiática (só que não é), fala alto como se tivesse um microfone embutido na garganta e é bastante direta em um ambiente no qual as pessoas falam como se estivessem na missa. Eu chegava e o chão tremia.
A maioria prefere resolver as coisas por e-mail e um rapaz insistia em ficar enviando um e-mail sobre algo que deveria ser seu trabalho e não o meu (o “deixa que eu deixo”). Como se sentava a dez passos de mim, fui até sua mesa. Ele tremeu. Sua chefa interferiu e continuei defendendo meu ponto de vista. No outro dia, minha gerente me disse “Tati, você precisa tone down” que, basicamente, queria dizer que deveria aprender a ser mais controlada, tanto no meu tom de voz quanto na minha atitude. E eu só falei com eles, nem gritei.
O “não” é um problema para muitos deles. Posso notar que eles acreditam que dizer não é uma falta de respeito, então, muitas vezes eles dizem sim quando querem dizer não. Para mim, que sou franca e direta, dizer o “não” quando não se sabe ou acha que é não é possível de ser realizado em um prazo é mais respeitoso porque se respeita o tempo alheio.
Sempre deixei isso claro para todas as pessoas que ensinei. Lembro que quando comecei a ensinar a uma colega filipina disse que esperava que ela fosse sincera comigo e dissesse se não havia entendido algo. Para demonstrar o quão arraigado o “sim-que-quer-dizer-não” está, um dia perguntei se ela tinha dúvidas. Ela hesitou e disse “sim”, enquanto balançava sua cabeça, significando “não”.
Para mim, no entanto, o maior problema é a falta de separação entre o pessoal e o profissional. Aqui, tudo se torna uma coisa só. Eu, quando estou brava com alguém no trabalho, é relacionado a trabalho e espero que não seja levado para o lado pessoal. Aqui, no entanto, as pessoas são emotivas e, quando levam bronca, muitas chegam a chorar. Acho uma falta de respeito chorar quando se está levando bronca no trabalho, mas tive que aprender a controlar meu tom de voz e parecer “meiga”, quando a meiguice não foi uma característica que veio de fábrica.
Fofocas acontecem muito em ambiente de trabalho e, aqui, o nome disso é chisme. Algumas vezes, são fofocas inocentes ou mesmo desabafos, mas já vi casos de pessoas que foram demitidas porque foram alvos de picuinha e bullying. Amizade e bom relacionamento, aqui, contam e muito.
Para muitos, comentar sobre dinheiro (e salário) é normal. Tanto que muitas políticas de empresa estipulam que esse tema é proibido. Para mim, era óbvio: além do RH da empresa que trabalho, ninguém tem nada a ver com o quanto recebo e as coisas que compro são de minha responsabilidade. Ninguém tem nada a ver com isso, embora muitos comentem e insinuem.
Aprendi muita coisa em todos os países que vivi e me adaptar foi a mais importante. Acredito que se adaptar não quer dizer abraçar a cultura de outro país como verdade absoluta, mas entender como ela funciona, aceitá-la e, assim, tentar ajustar-se à mesma. E precisa haver respeito. E isso não é algo fácil. Requer tempo e paciência.
16 Comments
Adorei o post Tati! Perfeita a parte que você menciona “Acredito que se adaptar não quer dizer abraçar a cultura de outro país como verdade absoluta, mas entender como ela funciona, aceitá-la e, assim, tentar ajustar-se à mesma”. 🙂
Oi Camila! Desculpe a demora em responder à sua mensagem!
Obrigada pelo elogio! Acho que você, que mora na Índia, também deve ter passado por várias histórias que deixaram você um pouco… Chocada, não? Hehe!
Um beijo!
Tati, fantástico! Essa impressão dos filipinos serem os latinos da Ásia eu também já tive com as amizades filipinas que fiz aqui na Dinamarca. Achei muito bacana a forma como você explicou as diferenças culturais e a questão da adaptação. Eu também escrevi a respeito de se integrar mantendo a identidade pessoal, ano passado no Expat in Denmark. Manter a nossa identidade e nos adaptar, isso é integração, e você descreveu muito bem. Talvez a parte mais dura pra gente é entender que essas diferenças não são necessariamente boas ou ruins, mas apenas diferentes. Isso é algo que eu também ando tentando trabalhar na minha cabeça… penso que a gente sempre tende a julgar tudo como ‘bom’ e ‘ruim’ quando as diferenças podem ser tão enriquecedoras. Beijo
Cris, essa definição é, na verdade, da Ju Cristine! Hehe! Mas é bem isso. Eles são emotivos e adoram novela mexicana (já refilmaram todas as Marias do Mundo… Marimar, Maria do Bairro, Maria sei lá de onde…)! Haha!
Eu concordo com você: o problema é quando começamos a julgar. Porque nada é certo e nada é errado. As coisas são. Quando nós colocamos barreiras e julgamos algo bom ou ruim, criamos conflitos para nós mesmos… Ainda estou aprendendo a simplesmente aceitar as coisas como são. Dói menos! Hehe!
Manda seu artigo para eu ler!
Beijos!
Entende a cultura eh fundamental. Interessante artigo, como sempre. Concordo com o ponto em que sao os “latinos” da Asia (talvez pela colonizacao espanhola? dominacao americana? haha). A parte de falar baixo e nao ser direto ainda nao verifiquei tao intensamente pois nao cheguei a trabalhar em um ambiente somente “pinoy” onde fosse o unico estrangeiro, apenas pensei que as pessoas com quem falei muito educadas.
E aí, o que está achando de Manila??? Loucura, diz que não? Hehe!
Sim, sempre cito a colonização espanhola porque acho que teve muita influência aqui, principalmente no quesito religião e idioma (acho que 3000 palavras do filipino – aprendi que o nome do idioma é filipino e não tagalog! Hehe – vêm do espanhol). Acho que a dominação americana afetou outras coisas, como a adoração por fast food e a idolatração por quase tudo que vem dos EUA!
Então, não são todos que falam baixo, mas muitos deles fazem sim. No trabalho, sempre tenho a atenção chamada porque estou falando alto demais ao telefone… Tenho que controlar o meu tom de voz e, bem, auto-controle não é o meu forte! Hehe!
Um beijo!
Olá Tati Sato. Após uma intensa pesquisa na internet encontrei o site https://brasileiraspelomundo.com/ com as suas postagens referentes a Filipinas. Informações excelentes! Preciso saber de alguém que já passou por este lugar, como você, sobre a questão do idioma. Pelo o que eu entendi, se chegarmos falando espanhol nas Filipinas, devido a influência, consigo me comunicar com o povo filipino? Outra coisa, você chegou a conhecer ou ouvir falar sobre um povoado chamado Tawini que fica em Apayao?
Olá Vânia! Acabei de ver a sua mensagem – desculpe o atraso em responder a sua pergunta.
O espanhol não é mais falado há pelo menos uma geração. Os idiomas oficiais são o filipino – tagalog – e o inglês. Há aproximadamente 3000 palavras do espanhol que foram adotadas no filipino e a maior parte delas designa coisas que não existiam antes da colonização espanhola, tais como sapato, talheres e universidade. A grafia, no entanto, é completamente diferente até mesmo porque há letras que não existem no idioma.
Sobre o povoado, infelizmente, desconheço!
Obrigada por nos acompanhar!
Tati adoro acompanhar seus postsss… eu trabalhei com muitos filipinos numa cia de cruzeiros… eu particularmente sentia mais dificuldade em me relacionar com as filipinas… a impressao que eu tinha é que elas nao gostavam muito de brasileiras e sempre ficavam com o pé atras, tinha que ter muito tato pra lidar com elas.Qual é o conceito que eles tem sobre os brasileiros? Pelo menos os filipinOs eram bem tranquilos….
Oi Gabi! Obrigada!!!
Então, a verdade é que eu não sei muito o que eles pensam sobre os brasileiros em geral (vergonha, sei! Haha!), mas, acho que os meus companheiros de trabalho, se não fosse por mim e por outra colega, também brasileira, não teriam um conceito muito bom sobre nós não! 😉 Mas acontece… Eles conhecem a Leila do volley (acho que é ela) e alguns assistem a luta livre…
Eu não acho que eles não gostem de uma determinada nacionalidade, mas o problema é que eles não se misturam tanto. De acordo com a lei, os idiomas oficiais são o filipino e o inglês, mas, no dia-a-dia, TODOS só falam o tal filipino… Eles até podem tentar traduzir o que queriam dizer, uma piada ou o conteúdo (quando não dizem que estão com “nose bleed”, uma expressão que eles usam quando têm que pensar em inglês), mas eu, particularmente, não vejo muita graça nas piadas… =/ Hehe!
Acho que, em geral, eles são muito sensíveis… E sim, tato é uma coisa altamente necessária nesse país. E eu não tenho! Haha!
Um beijo e continue acompanhando!!!
Fiquei curiosa como as pessoas se divertem por aí, não a classe alta ou media as pessoas humilde e não quero dizer pobres, como essas pessoas amam no geral claro? elas são felizes? o que acha?
Nos brasileiros temos o futebol, a cerveja, a feijoada, o samba e etc e os filipinos?
Oi Dani, então… Aqui, as pessoas têm cerveja também, as comidas locais (que são baratas), o basquete e o karaokê. Eles são apaixonados por karaokê, independente da classe social. Eu vejo muitos filipinos reunidos em bares e os de classe mais alta frequentam os mesmos restaurantes e baladas que eu, por exemplo.
Algumas vezes, eu mesma me surpreendo com colegas de escritório que passam o fim de semana em casa, vendo filmes ou fazendo nada… E não são poucos fins de semana: muitos tiram férias para ficar em casa! Para mim, que gosto de viajar, parece um pouco louco esse conceito, mas cada um é cada um, não?
Com toda certeza como diz uma cantora famosa, Ana Carolina, “cada um com seu cada qual”. E sim fique a vontade de me chamar de Dani.
=)
Já deu para ver que eu não vou me adaptar muito bem.
Os filipinos possuem alguns dos defeitos que mais odeio nos brasileiros. Pelo menos, eles choram, não precisam fingir que estão felizes o tempo inteiro.
Eu odeio essa obrigação brasileira de fingir que o mundo é maravilhoso, muitas vezes, até acredita na própria mentira e se torna um alienado que discute putaria em meio a crise global.