Quando se pensa em morar fora, acho que umas das principais questões que vem a mente é em relação ao trabalho. Como vou fazer para me manter? Vou conseguir um trabalho na minha área? Qual é o salário mínimo? Posso trabalhar com visto de estudante? Para clarear um pouco algumas dessas duvidas, vou usar de exemplo a minha experiência no mercado de trabalho francês.
Sou formada em moda, e já trabalhava na área quando estava no Brasil. Quando deixei o meu emprego, eu vinha para Lyon fazer uma pós-graduação na minha área e sabia que teria a época do estagio obrigatório. Pra mim, aquela oportunidade significaria justamente a porta de entrada no mercado europeu e ter uma experiência internacional na minha área. Mesmo se às vezes a ideia de “voltar a ser estagiário”, possa num primeiro momento nos fazer torcer o nariz, acredito que tudo é experiência e aprendizado, e às vezes é preciso “dar um passo pra trás, para poder dar três pra frente”.
Com o visto de estudante de longo prazo (mais de 6 meses), é possível trabalhar em tempo parcial, ou seja 964 horas/ano. O que muitos fazem é conseguir alguns bicos como vendedora, garçom, ou babá enquanto realizam seus estudos.
Alguns cursos, na maioria de ensino superior, exigem um estágio obrigatório. Para poder exercer um estágio, basta estar inscrito numa instituição de ensino superior, que vai te fornecer uma convenção de estagio que deverá ser assinada entre você, a faculdade e a empresa. Até ai, ok, sem problemas, certo? Sem grandes diferenças do que estamos acostumados no Brasil. O salário mínimo como estagiário, é de 554,40 € por mês. Carga horária de 35h/ semana. A remuneração é obrigatória para estágios com duração superior a 2 meses.
Uma vez terminado o meu curso e consequentemente meu estágio, tive a oportunidade de continuar na mesma empresa com contrato de duração determinada (CDD). E é ai que entra, pra mim, a primeira principal diferença na forma de contratação de emprego com relação ao Brasil.
Um emprego efetivo como temos no Brasil, seria o que chamamos aqui de CDI (contrat de travail à durée indéterminée). Na França é muito forte a questão dos direitos dos trabalhadores e sindicatos, a empresa tem que justificar para poder mandar o empregado embora. Por isso, existe essa imagem de que conseguir um CDI é mais complicado e as empresas costumam contratar mais em CDD. Uma forma de “testar” o profissional antes e depois possivelmente contratá-lo em CDI. Enfim, cada caso é um caso. É claro que existe a possibilidade de conseguir um CDI direto.
Pode acontecer de você assinar mais de um contrato de CDD na mesma empresa, o que foi o meu caso. Mas normalmente não se deve ultrapassar o período de 18 meses. Após esse período, se a empresa ainda estiver interessada em você, deve lhe oferecer um CDI.
O salário mínimo bruto na França é o SMIC (salaire minimum de croissance), de 1 480,27 € por mês. (informação atualizada abril 2017)
Para se candidatar a uma vaga, além do CV é sempre necessário enviar uma carta de motivação. O primeiro contato costuma ser por telefone, algumas vezes para agendar a entrevista e poder conversar melhor, outras vezes já fazem uma primeira entrevista por telefone, ou uma pré-entrevista.
O CV deve ter 1 página, costuma além da foto, e informações sobre o seu percurso profissional e formação acadêmica, conter também seus hobbies. E os franceses gostam que você relance a candidatura, mande candidatura espontânea, e depois ligue, enfim, é visto como mais uma forma de provar sua motivação.
Com relação ao visto, no meu caso, como tinha acabado meu curso, pedi o visto APS, que dá direito de trabalhar o mesmo numero de horas que o visto de estudante, mas te permite, no período de 1 ano, ficar na França e procurar uma primeira experiência de trabalho ligada a área do diploma que você adquiriu. Temos um texto aqui no blog que fala sobre os diferentes vistos para inserção no mercado de trabalho. Uma vez encontrado esse trabalho, é responsabilidade da empresa dar entrada ao processo administrativo para você poder mudar o visto para assalariado. E é aí que me deparo com um obstáculo. Apesar de ter esse visto e ser uma oportunidade. A empresa tem que estar ciente e disposta a fazer esse processo, é preciso justificar porque estão contratando você e não um francês, por exemplo.
Com o que pude ver e vivenciar aqui, existe uma outra forma de curso que chama alternance, normalmente são cursos de ensino superior de 2 anos em que o estudante trabalha e estuda em espaços intercalados. Depende do curso, mas já vi casos em que a pessoa ficava duas semanas trabalhando em tempo integral e 2 semanas estudando, por exemplo. É a empresa que arca com as despesas da sua formação e além disso o salário costuma ser mais alto que de um estagiário, entre 814,15 € e 1 184,22 € bruto dependendo do nível da formação e da idade do estudante.
Confesso que nunca tinha ouvido falar antes de vir pra França, mas se por um lado quando se é estagiário, as chances de te contratarem são menores e o que as empresas acabam fazendo é essa “rotação” de estagiário, por ser uma mão de obra mais barata, quando se trata de alternance, a empresa justamente por também estar investindo no estudante/profissional, e por ser um processo que dura mais tempo, é possível criar mais experiência e um laço maior com a empresa que acaba resultando na maioria das vezes, em uma proposta de CDI no fim dos estudos.
Algumas curiosidades com relação ao ambiente de trabalho (segundo a minha experiência):
-os franceses fumam bastante, e fazem algumas (varias) pausas durante a jornada de trabalho para fumar.
-quanto aos benefícios, não tive vale refeição, a grande maioria trazia marmita, e metade do valor do transporte era reembolsado.
-costumávamos almoçar todos juntos. Ou a grande maioria junto. Rs
-quanto a carga horária depende do departamento, da empresa e de se organizar com o seu superior. Mas existe na França o sistema de RTT (reeduction du temps de travail), isso significa que ao invés de acumular hora extra por exemplo e ser pago por elas, esse “banco de horas” acumulado serve para tirar dias de folga conforme organização da empresa. Ou seja apesar de termos um contrato de 35h, fazíamos 39h semanais, e a cada duas semanas, acumulávamos um dia de folga. E em função da organização do departamento e das necessidades do assalariado, existe a possibilidade de tirar um dia de folga. O dia em RTT depende de cada empresa, pode ser de escolha livre, como imposto pela empresa.
Devo admitir que se para os próprios franceses não é tão fácil conseguir um CDI, para nos estrangeiros fica um pouco complicado também. O que eu senti é que mesmo tendo experiências, a formação, o nível de francês, o maior obstáculo é a questão do visto.
Quanto ao ambiente de trabalho, tive uma experiência agradável, fui super bem recebida, obviamente ouvi varias vezes que meu sotaque era “fofo”. Rs
No dia do seu aniversario, você que deve trazer o bolo, croissant ou pain au chocolat para os colegas de trabalho. E espera-se o mesmo no seu ultimo dia de trabalho. Mas também organizaram um café da tarde para nos despedirmos e agradecerem sobre o período em que estive lá.
Enfim, tive uma experiência agradável, obviamente com seus desafios e aprendizados mas que valeu muita a pena. E você? Teve uma experiência parecida? Tem dúvidas quanto a esse assunto? Deixe seu comentário e até a próxima !
15 Comments
Oi Sabrina, tudo bem ? Fiquei com uma dúvida sobre o seu texto ! Quanto ao visto APS, o requisito é ter finalizado o seu curso ou precisa também de um empregador pra poder aplicar ?
Ola Isabela, tudo otimo e com você? 🙂
Quanto ao visto APS basta você ter o diploma do curso finalizado, no caso, um Master.
Espero ter ajudado.
Oi Sabrina !
Adorei seu texto ! Realmente, tb tenho essa impressao de que normalmente eles oferecem um contrato CDI para um estudante com o titulo de “alternant”… E com relação ao “stagiaire”, vejo que a rotatividade é alta na empresa onde trabalho tb…
Na minha opinião, o “estagiario” no Brasil corresponde ao status de “alternant” por aqui. O que vc acha ?
Sera que você poderia listar a documentação necessaria para ser contratada como “stagiaire” na França ?
Bisous !
Ola Marcella, tudo bom?
Obrigada pelo comentário, fico feliz que tenha gostado 🙂
Quanto a comparação que você fez, nao sei se eu diria que um estagiario no Brasil seria o equivalente a um alternant na França, porque no Brasil também tenho essa impressao de que o estagiario acaba sendo uma mao de obra barata e de grande rotatividade. E hoje nao conheço algo que funciona assim no Brasil de ficar intercalando entre estudo e faculdade e ainda ser pago e ter os estudos pagos pela empresa! Acho muito interessante!
Quanto a documentaçao necessaria, como eu citei no texto, o principal é a “convention de stage” que sera fornecida pela instituiçao de ensino que o aluno estará matriculado, responsável por fazer o acordo entre o estudante, a faculdade e a empresa. Ou seja basta estar matriculado num curso que tenha em sua programaçao um periodo de estagio incluso.
Espero ter respondido a sua questao.
Bisous!
Que ótimo o texto Sabrina! Eu ia escrever exatamente sobre o mesmo tema e você explicou muito bem 🙂
De fato é uma confusão essa história de CDD e CDI, ao contrário do Brasil, aqui são duas portas que a gente tem que abrir, não precisa ser apenas um emprego, tem que ser CDI haha
E essa de trazer os aperitivos no dia do aniversário e na despedida do trabalho não consigo entender até hoje!!
bjos
Ola Amy 🙂
Ah que bom que gostou e que achou que ficou claro! Obrigada pelo feed back !
Exatamente!!! Afinal se da pra complicar, pq nao né? rsrs
Também nao consigo entender essa de levar seu proprio bolo 😛
bisous!
Adorei! Informações como essa são sempre muito úteis.
Ola Roberta!
Obrigada pelo comentario, fico feliz que tenha gostado!
Bisous!
Oi Sabrina, acabei de ler o seu texto sobre o mercado de trabalho na França e estou vivendo esse momento de busca de trabalho. Estou morando em Aix en Provence e já iniciei minha busca com os organismos oficiais aqui, mas gostaria de saber se vc por acaso conhece quais são as empresas que possuem convênio /negócios com o Brasil. Será ótimo se pudermos trocar uma ideia. Bjs
Oi Sabrina, estou me preparando para aplicar para um Master em Lyon. Vc tem um contato mais privado para te pedir algumas dicas?
Abç
Oii Sabrina, tudo bem? Eu moro na Australia faz 4 anos e meu namorado é Frances de Lyon e esta afim de voltar p França. Nos ja moramos juntos ha 3 anos e meio e queremos casar para eu ter mais facilidade com visto. Tu tens alguma dica de escola de frances? Obrigada ?
Sabrina! Estava procurando há milênios e não achava uma matéria com informações tão precisas quanto as tuas.
PRECISO de uma ajuda.
Estou morando na França há um ano (Master 2) e estou terminando meu estágio agora.
A empresa me ofereceu uma vaga CDI, mas eles querem que eu agilize todo o processo do visto, pra não precisar parar de trabalhar entre o final do contrato de estágio e o começo do contrato de trabalho.
Tu sabe me dizer se eu posso assinar o contrato com meu Visto de Estudante, começar a trabalhar e ao mesmo tempo aplicar para o APS e esperar o permit?
Só vou ter o certificado de conclusão do meu curso depois de setembro, e sei que para aplicar para o APS é preciso entregar o certificado.
Então estou muito confusa. Não sei se pra assinar o contrato preciso já ter o APS, ou se como estudante já posso começar a trabalhar (enquanto espero o andamento dos procedimentos com a prefeitura).
Me dá uma luz, senhorrrrrrrrrrr. hahahahaha
Obrigada!
Para fazer a alternance (contrat pro ou aprentissage) é preciso ter visto que te dê direito à trabalhar. Ele pode ser feito em CDD, o mais comum, ou em CDI. As empresas com mais de 300 empregados, são obrigados a ter 5% d’alternant (pessoas nesse tipo de contrato). Por isso não é garantido ser contratado. De qualquer forma, é uma ótima forma de ter os estudos pagos e se inserir no mercado de trabalho. Fiz meu mestrado dessa forma.
Olá Sabrina!!
Gostei muito do seu texto.
Estou pensando em ir fazer um intercâmbio em Lyon para aprender o francês; e aproveitar do acordo Brasil/França para conseguir ter visto de trabalho por 1 ano, sou cozinheira você tem alguma noção se consigo um trabalho/estágio ou se o mercado já está saturado?
Olá Stefanie,
A Sabrina de Paula parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas na França que talvez possam te ajudar.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM