O tema hoje, machismo na Itália, é baseado tanto nas experiências que vivenciei no país até o momento, quanto nos números oficiais divulgados por aqui.
Assim que me mudei e passei a frequentar lojas de móveis, chamou-me a atenção que uma das lojas mais populares nesse segmento divulgava um catálogo onde em quase todas as suas páginas constava uma mulher jovem, com uma camisola curta, sorrindo. Foi interessante notar que não importava o ambiente fotografado: quarto, sala, cozinha ou banheiro, lá estava ela sorridente e semidesnuda. Para mim, ficou claro a objetificação da mulher para a empresa. Enviei um e-mail ao S.A.C., falando do assunto e nunca recebi resposta. Mas nos catálogos atuais as mulheres estão com roupas normais e há mais fotos de homens e crianças. Menos mal, não é mesmo?
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Passado o tempo de adaptação, aluguei uma casa e o contrato de aluguel foi registrado em meu nome. Desse modo, todas as correspondências recebidas sobre o imóvel deveriam vir em meu nome, segundo a lógica. Qual não foi a minha surpresa ao constatar que muitas das correspondências enviadas são endereçadas ao meu marido. Ainda não tive tempo de ir questionar o motivo disso junto ao Comune, pode ser um mero erro, mas pareceu-me algo muito estranho.
Outro ponto que me chamou a atenção é que tanto na caixa do correio, quanto na campainha do nosso apartamento (a maioria dos prédios italianos não têm portaria), o nome do homem vem primeiro. Mesmo eu me chamando Ana e meu marido Wilson, o nome dele está à frente do meu, logo, se o critério fosse a ordem alfabética, o meu nome deveria vir primeiro. A resposta que obtive ao questionar o motivo dessa ordem é que essa é uma tradição, e se mudar a minha campainha, criaria um problema junto aos entregadores e que então deveriam ser mudadas todas as campainhas do condomínio.
Sou advogada no Brasil e na Itália e numa reunião de negócios, pensando em fazer um planejamento estratégico aqui, o nosso consultor sugeriu que o nosso escritório contratasse pelo regime de busta paga (ou o famoso holerite no Brasil) eu ou o meu marido. Desse modo, teríamos maior facilidade em comprovar renda e obter financiamento bancário ou imobiliário, por exemplo. Em dado momento, o consultor sugeriu que eu fosse contratada como secretária do meu marido. Imediatamente respondi que o ideal seria o contrário e o consultor ficou sem graça ao perceber que havia cometido uma gafe.
Dia desses, fazendo home office, toca a campainha de casa e meu marido atende. Era um vendedor de aspirador de pó. Ele perguntou se eu estava em casa. Ao ouvir a resposta negativa, o vendedor (inacreditavelmente) pediu desculpas por tratar de assuntos domésticos com o meu marido.
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Outro fato é que estou grávida e, quando digo que terei mais uma menina, as mulheres italianas me perguntam se não fico triste por não ter um filho. Não me admiro. Há uma tradição italiana que vem desde o Império Romano em saudar uma pessoa dizendo: “Auguri e figli maschi”. Isso porque os homens carregavam o sobrenome familiar e eram os provedores nas famílias.
Sobre a questão do sobrenome no registro dos filhos prevalecer o paterno, escrevi um artigo em meu site que explica a longa luta enfrentada por uma ítalo-brasileira, na Itália, para ter o direito de registrar o seu sobrenome no filho que nasceu aqui na terra da bota. Incrível perceber que a questão não foi enfrentada por uma mulher italiana e que foi necessário recorrer à Corte de Cassação Italiana para ter o direito reconhecido. Levou mais de quatro anos. Até hoje a lei ainda prevê apenas o sobrenome paterno na legislação italiana. Há um projeto de lei pendente de aprovação no Parlamento Italiano. Para ler o texto completo, clique aqui.
Sempre há notícias no jornalismo italiano sobre crimes praticados contra as mulheres, especialmente no sul do país. Agressões e feminicídios infelizmente ainda são muito comuns.
Segundo o ISTAT – Istituto Nazionale di Istatistica –, todos os feminicídios são praticados por pessoas próximas. Cerca de 50% dos homicídios cometidos contra a mulher são praticados por maridos, 20% são praticados por parentes e cerca de 30% são praticados por ex-maridos ou ex-companheiros.
A conclusão é que apesar de a Itália ser um país europeu com grande nível desenvolvimento econômico e cultural, é possível constatar que a questão do machismo ainda é muito presente e muito pouco é discutido sobre o assunto.
A violência contra a mulher é muito grande no país e os índices ainda são alarmantes. É preciso discutir o assunto e as ítalo-brasileiras podem dar uma grande contribuição para a sociedade italiana por terem outros parâmetros, uma vez que muitas vezes foram criadas com outras premissas. O caso da discussão do sobrenome materno foi emblemático. Mas ainda há muito o que ser conquistado. Não é um trabalho fácil, ele deve ser combatido diariamente. O importante é garantir um futuro equilibrado onde as futuras gerações tenham garantido direitos iguais, sejam homens ou mulheres.