A Ana, que é uma de nossas colunistas, preferiu não exercer a maternidade, ou como ela mesma diz, ela QUIS NÃO ser mãe.
Decisão extremamente privada, é vista por muitos como estranha ou até mesmo anormal.
Essa entrevista ajuda a nos colocarmos no lugar do outro, a julgarmos menos e a ouvirmos mais.
BPM: Fale sobre você.
Ana: Ana Clara, casada, professora universitária e doutoranda em Mídia Criativa, residente em Hong Kong.
BPM: Quando você teve certeza de que optaria por não ser mãe?
Ana: Desde criança eu sabia. Lembro de brincar de casinha e falar para minhas amigas que na vida real eu não queria ser mamãe.
Quando adolescente comecei a ler livros e sites sobre assunto. Como as pessoas estranhavam a decisão, cheguei a fazer uma lista com diversas razões, como “o estilo de vida que quero levar não comporta filhos”, “não querer ficar dividida entre papéis de profissional e de mãe” e etc. Tinhas as razões na ponta da língua para quando me perguntavam o porquê de não querer ter filhos.
Depois, descobri que na verdade eu nunca tive o desejo de ser mãe. Eu nem digo:
Eu não quero ter filhos e sim Eu QUERO NÃO ter filhos. Pode parecer irrelevante, mas na primeira frase fica implícito que era algo que deveria querer. A segunda é uma escolha ativa.
BPM: Você sofreu preconceito no Brasil ou sofre em Hong Kong por conta de sua decisão?
Ana: Com certeza. Tem gente que me chama de egoísta porque não querer ter filho. Não entendo a lógica. Quer dizer que fazer o que queremos é egoísmo? Se formos pensar assim, ter filhos também seria um ato de egoísmo, pois é para satisfazer um desejo de ser mãe ou pai.
Quando eu era mais nova, evitava levantar o assunto, porque algumas pessoas até se ofendiam, sem razão, pois é algo que só concerne a mim. O preconceito era mais em perguntas curiosas (“quem vai cuidar de você na velhice? não tem medo da solidão?”), afirmações categóricas (“você vai mudar de ideia”) ou ameaças veladas (“você não tem medo de se arrepender no futuro?”). Todos esses temas são realmente importantes e devem ser levados em conta ao tomar uma decisão tão importante, mas para mim não são razão para ter filhos, pois nada garante que os mesmos vão ficar ao lado dos pais idosos.
Hoje em dia está melhor pois há mais mulheres expressando a mesma opinião e as pessoas aceitam mais.
BPM: De quem você teve apoio quando decidiu definitivamente não ter filhos?
Ana: Desde sempre, minha mãe aceitou que os netos só viriam da parte da minha irmã. Ela até me defende das pessoas que estranham e afirma que eu devo fazer o que me faz feliz.
Além disso, todos os meus ex-namorados sabiam de antemão da minha opção. Ou eles aceitavam ou também não queriam ter. Meu esposo, que é inglês, não ficou nada surpreso, pois na Europa isso já é comum há mais tempo. Ele nunca teve forte desejo de ser pai, e diz que essa decisão é da mulher, pois é quem é mais afetada com o assunto.
BPM: Você conseguiria listar as frases ou expressões mais comuns ditas pelas pessoas quando elas ficam sabendo que você não quer exercer a maternidade?
Ana: A maioria da pessoas fica curiosa e pergunta a razão. Algumas assumem que é porque eu não gosto de criança. Imagina! Amo crianças! Tenho 6 afilhados. No entanto, nem tudo que gosto quero ter. Por exemplo, adoro avião, mas nunca quis ter um (risos). Eu digo que adoro brincar com as crianças, mas quando fazem cocô ou birra, adoro poder entregar pros pais e dizer “toma que o filho é teu” (risos).
Agora o que mais me irritava, quando eu era mais nova, eram aquelas pessoas que ficavam tão incomodadas ou acreditam que conseguem adivinhar o futuro e soltavam simplesmente um categórico: “isso é agora, depois você vai mudar de ideia.” Bom, tenho 36 anos e o tal do relógio biológico que, segundo elas, já deveria estar apitando há tempos, nem deu sinal de vida. Ao contrário, cada dia que passa fico mais convicta que ser mãe é algo lindo, mas não é para mim.
Há uma questão de gênero forte nesse assunto, pois o homem que não quer ter filhos não é visto como diferente nem com menosprezo. Parece que a única maneira da mulher se realizar é na maternidade, mas o homem pode se realizar de outros modos, como na profissão.
Por outro lado, e surpreendentemente, já houve algumas mães que me confidenciaram: “amo meus filhos mas se tivesse podido escolher na minha época eu não teria tido filhos.”
BPM: Quais dicas você daria à sociedade para que compreendesse mais uma decisão tão privada e parasse de rotular?
Ana: Se você não perguntaria para uma mulher grávida: “você não vai se arrepender em ter esse filho?”, tampouco pergunte a alguém “você não tem medo de se arrepender em não ter filhos?”
Quem cria filhos são os pais. Ninguém precisa opinar sobre foro íntimo. As pessoas têm diversas razões para suas escolhas, que nem sempre envolvem só aspectos racionais. Escutá-las é um bom início. No entanto, ninguém vai mudar de ideia porque você não acha certo. Se não gostou, ao menos respeite.
Por outro lado, não se sinta ameaçado. Quem tem filho não advoga para os outros não terem. Nem critica quem os tem. Eu acho lindo os papéis de mãe e pai e admiro profundamente a disposição e capacidade de auto abnegação em prol dos filhos. Além disso, fico feliz e curto muito a gravidez de minhas amigas e familiares. Ter ou não ter filhos é uma decisão totalmente pessoal. É como cor de cabelo: cada um fica melhor com um tom e ninguém tem que ficar opinando sobre a cor certa ou errada das outras pessoas.
BPM: Uma palavra às mulheres que, como você, também decidiram não ter filhos, mas certamente enfrentam questionamentos e preconceitos por conta disso.
Ana: Afirmar não querer ter filhos é ir contra o status quo. É como ser vegetariano – a parte mais chata é ter que ficar aguentando os outros perguntando o porquê ou tentando te convencer que se deve comer carne. Assim como um vegetariano, uma mulher que decide não ter filhos, pode levar algumas pessoas a pensar em algo que sempre deram por sacramentado e a refletir sobre suas próprias escolhas. Devemos ter paciência com isso, pois nem todo mundo gosta das conclusões que chegam sobre suas vidas. Não ceda a pressões de amigos, família, esposo ou sociedade.
Ser mãe é 24 horas por dia, provavelmente pro resto da vida, portanto o ideal é que toda mulher pudesse tomar essa decisão de forma livre e após refletir. Se você está indecisa, aguarde, converse com pessoas de diferentes opiniões, reflita. Se você está convicta, não tem que prestar contas a ninguém. Escolha o caminho que mais se aproxime do que te deixa realmente feliz!
5 Comments
oi Ana,
Concordo 300% com você! ser mãe é decisão pessoal, e se qualquer outra pessoa se arroga o direito de questionar a opção de não se ter filhos, é porque o respeito à vida de cada um é conceito difícil de ser praticado, ainda que defendido por todos…Mas temos que considerar um fato: esta situação tem contado com a cumplicidade das mulheres que querem não ser mães (adorei), que não só muitas vezes se sentem ’em débito’ em relação às expectativas sociais, como ainda gastam seu tempo/energia em ‘explicar’ seus motivos aos interlecutores invasivos.
A nós, que sabemos ser femininas e que temos consciência das responsabilidades que ser mãe aporta, dos problemas ecológicos que o aumento demográfico causa, e do curto tempo que temos para viver o que nos agrada, cabe tomar uma atitude assertiva e não justificativa.
Maternidade é bom para quem acha que é bom. Como você, também nunca me vi no papel. Precisamos repensar o ‘ser mãe’. Muita gente confunde ‘ser mãe’ com ‘engravidar e parir’, sem levar em conta a obviedade de que nenhum ser humano é melhor porque tem o DNA de quem decidiu produzi-lo. Isso é vaidade. Se ser mãe é ato de doação, então precisamos apoiar a adoção e não a reprodução. Tem muitas criancinhas abandonadas, precisando de aconchego, lar, amor, familia.
o mundo não precisa de mais gente. Precisa, sim, de menos crianças abandonadas.
Oi Touché. Obrigada pelo comentário. Estou respondendo aqui para ficar no post certo. Enfim, para mim é um alívio ser bem acolhida em um assunto que já me fez ser hostilizada tantas vezes. Suas ideias sao bem parecidas à minha e você tocou em pontos que não cheguei a comentar na entrevista, mas que são pertinentes e importantíssimos. Debater essas questões quase sempre nos faz ser vistas como chatas, mas o pessoal precisa entender que há espaço para diversidade de opiniões. Portanto obrigada mais uma vez. Abraços, Ana Clara
Perfeito Ana, exatamente como penso! Meu marido e eu optamos por não tê-los. Completo 38 anos essa semana e esse desejo de ser mãe não apareceu.
Eu frequentemente respondo essas mesmas perguntas que te fazem! Concordo muito também com o que a Touché Guimarães disse em “o mundo não precisa de mais gente”, não , não precisa! Precisa que as pessoas tenham consciência de que elas não serão menos pais se adotarem uma criança, que necessita do mesmo amor e atenção que uma criança gerada por eles.
Abraços!!
Obrigada pelo comentário Karen. Pois é. As mulheres que tomaram a mesma decisão estão comentando isso, que passam pelas mesmas perguntas. Está na hora da gente evoluir e parar de se meter na vida dos outros, quando o asssunto só concerne a pessoa ne? Abraços!
É isso: coragem pra admitir o que somos, o que queremos e sem nos influenciarmos pela pressão que vem de fora. Nós, mulheres, somos cobradas a termos um comportamento definido, e sair desse padrão é chocante por desafiar o status quo, como você bem coloca.
Parabéns pelo respeito a si própria e aos seus instintos e interesses, e por permanecer firme na sua escolha, apesar de toda a pressão social!