País dos sonhos de muita gente, o Japão é fiel à maioria dos estereótipos que carrega: alta tecnologia, população organizada e educada, praticidade, transporte público eficiente e cidades altamente estruturadas. Para quem vem do Brasil, acostumado com o descaso público, com a violência e as instituições que deixam a desejar, a vida no Japão é de altas expectativas.
Mas nem tudo na terra dos samurais são flores, e viver fora do país de origem, por si só, gera dolorosas perdas, nas quais superamos com muita coragem. Se for acrescentar o fato de ser um país oriental, com uma cultura totalmente diferente, há muitos obstáculos que entram nessa equação, e os desafios aparecem todos os dias.
Depois de partir, literalmente, para o outro lado do mundo, a gente ainda passa a sentir saudade de coisas que eram tão óbvias que nunca se tornaram assunto na nossa antiga vida no Brasil. Há três anos na província de Osaka – a 500 quilômetros de Tóquio –, eu sinto falta de muitas coisas comuns para qualquer brasileiro que deixou a sua terra, como a família, os amigos mais íntimos e, é claro, as delícias da culinária que dificilmente são fieis fora do território brasileiro.
Nesta coluna de estreia, preparei uma listinha menos óbvia, baseada nas minhas experiências no arquipélago nipônico, coisas que vivencio quase todos os dias e que tenho dificuldades de me acostumar. Porém, é preciso deixar claro: se por um lado há perdas em viver no Japão ou em outro país, por outro lado, as alegrias são inúmeras e a riqueza cultural, as descobertas diárias e as oportunidades de crescimento pessoal equilibram muito bem essa balança.
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Quer vir ao Japão? Crie coragem e venha! Você verá que há um mundo novo a descobrir. Muitas coisas vão deixar saudades, sim, não tem jeito! Mas o que gera tristeza e sofrimento também fortalece, enriquece e ensina a valorizar tudo aquilo que temos.
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Calor humano
Aquele abraço apertado na família e nos amigos faz, sim, muita falta. Imagino que esse problema seja quase unânime entre os brasileiros no Japão (salvo os casos em que a família toda vive por aqui). Você pode ter mil amigos japoneses e ter muita intimidade com eles, mas dificilmente terá oportunidades de abraçá-los.
A falta de calor humano pesa com o tempo e há dias em que bate uma tristeza, uma solidão, e aí você se dá conta de que tudo que está precisando é de um abraço amigo. E esse calor humano não é apenas o toque. No Brasil, você conversa com o garçom, bate um papo legal com o taxista, descobre a vida da senhora ao lado no ônibus e, às vezes, faz amigos em um piscar de olhos.
No Japão, as pessoas seguem padrões de comportamento que não dão abertura à aproximação e muitas vezes o contato humano no dia a dia soa artificial. Essa cultura robótica faz todo mundo se sentir muito bem tratado, mas com certeza colabora com o alto índice de estresse na sociedade, já que as pessoas não se sentem livres para deixar transparecer a personalidade.
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Passar despercebido
Os brasileiros no Japão, maioria descendentes de japoneses, não devem compartilhar desse sentimento, que é algo inevitável quando você tem feições ocidentais e vive em um país asiático. Com olhos grandes e cabelo castanho, é quase impossível fugir dos olhares, que são ainda mais perturbadores se você está em uma região com poucos estrangeiros.
É legal ser diferente e se destacar na multidão, mas só de vez em quando. Às vezes, o que eu queria mesmo era passar despercebida, ir comprar um pão e voltar para casa sem me sentir como se tivesse com luzes de Natal presas na minha roupa. E nos momentos de distração eu ainda me preocupo: “Será que saí de casa com a blusa virada hoje?”.
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O “jeitinho” brasileiro
Quando eu falo em “jeitinho” brasileiro, não estou falando de desonestidade ou de malandragem, mas daquele jeitinho típico do brasileiro de encontrar soluções alternativas para os problemas. Isto não costuma funcionar no Japão. Não é comum fugir das regras, mesmo quando a situação permite algum comportamento diferente que não fará mal a ninguém.
Aqui não há muita margem para aplicar o jeitinho brasileiro. Isso significa que se você reservou o assento e o ônibus está vazio, o motorista pode passar conferindo os bilhetes e não vai entender uma troca para um assento melhor. No Brasil você poderia passar no depósito de lixo, pegar um armário abandonado, restaurar e reutilizar. Experimente levar lixo para a casa no Japão e talvez você tenha que se explicar para a polícia mais tarde.
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Viver com menos regras
Sempre digo que o Brasil é um caos por falta de regras e que o Japão é um país infeliz pelo excesso delas. Se há regras de menos, as pessoas não se organizam e todos passam trabalho desnecessário. Porém, se há regras demais, perde-se a liberdade e a rotina fica desnecessariamente pesada.
Faz muita falta viver de forma relaxada, sem pensar em dezenas de regras sociais que devem ser seguidas o tempo todo. No Japão é normal apenas dizer as regras, e muitas delas não são explicadas ou questionadas. Se quiser ver um japonês constrangido e desconfortável, experimente perguntar “mas por quê?” quando ele disser que algo deve ser feito de algum jeito determinado.
3 Comments
Ana parabéns pela sinceridade e o texto maravilhoso!! Adoro a maneira que escreve, abraços
Obrigada!!!!
Moro na França e me identifiquei muito. Mesmo que por aí deva ser ainda mais forte essas diferenças, também sinto todas essas diferenças por aqui.