Por que devemos parar de comparar portugueses e brasileiros?
Sendo um país de dimensões continentais, é esperado que o Brasil seja marcado pela ampla diversidade cultural. A mesma fruta pode receber cinco nomes diferentes, a depender da região do país. Em alguns estados, é costumeiro que as pessoas se cumprimentem com um beijinho no rosto. Em outros, são dois. Há lugares em que cumprimentar alguém significa dar três beijinhos.
Dessa forma, somos acostumados a lidar com a diversidade de comportamentos no mesmo território nacional. Essa pluralidade de costumes pode, por vezes, render comentários estereotipados: pessoas de São Paulo estão sempre com pressa, cariocas têm um jeito malandro, goianos gostam de música sertaneja.
Embora essa diversidade cultural exista dentro do nosso país, é recorrente que, ao imigrarmos, passemos a nos identificarmos como brasileiros, em contraponto com o outro: o estrangeiro. Sair de seu país para morar no exterior dá uma nova perspectiva da relação de nacionalidade e de pertencimento a uma cultura.
Pode ser estranho que em algumas regiões do Brasil o açaí seja doce e, em outras, salgado. Mas em uma coisa concordamos: nós comemos açaí.
Se um brasileiro imigrar para a Irlanda, não irá exigir que o irlandês saiba o que é açaí ou conheça o mais novo hit do Kevinho. Também não irá exigir que a forma de tratamento do irlandês seja parecida com a nossa. O costume é de se adaptar ao jeito e à cultura do país que agora chamamos de lar.
Se fazemos isso para países com culturas tão contrastantes em relação à nossa, por que não podemos fazer o mesmo para Portugal?
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Não há dúvidas de que há muitas semelhanças entre o Brasil e Portugal. Para além do fato da língua ser a mesma, os dois países possuem uma proximidade cultural muito grande, fruto inicialmente da colonização portuguesa e, posteriormente, da grande influência que a cultura brasileira exerce não somente em países lusófonos, mas em todo o mundo.
Esse é um dos fatores que faz com que brasileiros que desejam imigrar escolham Portugal para ser sua nova casa: aqui podemos comer comida brasileira, ouvir músicas brasileiras e falar nossa língua materna diariamente.
Ainda que isso se configure como uma enorme vantagem, pode ser também um problema. Isso porque muitos brasileiros têm a tendência de buscar, nos portugueses um semelhante tupiniquim, e se esquecem que brasileiros e portugueses são coisas diferentes.
Realmente compartilhamos a mesma língua e muitas semelhanças culturais. No entanto, somos dois países separados por um oceano de distância. Portugueses são criados de forma diferente, se comportam de forma diferente e tem modos de reação diferentes.
Quando morei na Irlanda, por exemplo, demorei para me acostumar com o fato de que não cumprimentamos alguém que acabamos de conhecer com um leve abraço, como geralmente fazemos no Brasil. Lá, isso é muitas vezes considerado como uma invasão da zona de conforto da pessoa.
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Nós brasileiros somos conhecidos por sermos muito abertos. Somos um povo de muitos sorrisos, muitas histórias, muita proximidade. Isso significa que rapidamente nos abrimos para as pessoas, contamos nossa história de vida e criamos vínculos. Os portugueses não são assim.
É claro que aqui estamos trabalhando com estereótipos e que cada pessoa tem seu modo de se comportar, mas infelizmente essa generalização se faz necessária pra explicar o meu ponto.
É comum vermos brasileiros reclamando que os portugueses são fechados demais, grossos demais, diretos demais. Essas reclamações são, muitas vezes, baseadas na expectativa que criamos de que os portugueses se comportem exatamente como nós. Ao fazermos isso, tentamos criar um patamar de igualdade cultural que não existe.
Ao invés de compararmos os portugueses conosco só para termos nossas expectativas frustradas pelas diferenças, que tal tentarmos entender como eles funcionam e a forma como se comportam?
O que eu antes entendia como grosseira, hoje vejo como sinceridade. Se eu perguntar para uma amiga brasileira se uma roupa ficou boa, pode ser que ela faça rodeios e às vezes até minta para evitar o confronto de me dizer que a roupa está horrível.
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Uma portuguesa provavelmente me dirá imediatamente que não gostou. Ao fazer isso, ela não está tentando me ferir. Está apenas me dando a resposta sincera para a pergunta que fiz.
Substituí minhas cobranças e comparações por tentativas de aprendizado. Tenho aprendido a ser mais direta assim como os portugueses, expressando mais o que realmente penso.
Tenho aprendido a falar menos da minha vida para qualquer pessoa e tentar conhecer mais sobre meu interlocutor antes de me abrir completamente.
Tenho aprendido que tem horas que de fato precisamos ser mais reservados.
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Em contraponto, tenho ensinado meus amigos portugueses a ver mais leveza na vida, a ter menos dificuldade em se abrir, a compartilhar do meu espírito festivo e serem mais impulsivos.
Quando paramos de comparar e passamos a compartilhar, seja nossas características mais relevantes ou os traços de nossa cultura que consideramos mais importantes, só temos a ganhar.