Quando conheço uma árabe aqui e digo a ela que sou casada e sem filhos ela faz questão de beijar minha testa, pôr a mão na minha barriga e dizer palavras de bênçãos me desejando um ventre fértil e que eu possa fazer meu marido feliz com muitos filhos.
Mal sabem elas que apenas a ideia de ter um já o aterroriza bastante, que dirá muitos! Isso prova que nos dias de hoje o papel da mulher ainda é gerar e criar quantas crianças ela for capaz.
Em um país no qual apenas 26% da população é de mulheres não é difícil de imaginar que a figura da mulher não é muito valorizada, ainda mais quando falamos de um país do Oriente Médio, região estigmatizada pelas assustadoras burcas.
Apenas 35% das mulheres qataris trabalham fora; isso se dá por conta do pouco tempo disponível devido ao compromisso social que a figura feminina tem com a família. O governo espera, até 2016, mudar esse quadro aumentando esse número para pelo menos 46%.
Dos 83% dos jovens qataris que aspiram ser donos do próprio negócio ou ocupar um cargo de direção em uma grande empresa apenas 38% são mulheres, isso porque ainda faltam nessa sociedade exemplos femininos a serem seguidos.
Pelo que tenho presenciado e mais ainda pelo que tenho estudado, sei que esse quadro tem tudo para mudar. Embora ainda esteja atrás de outros países do GCC a lista de mulheres poderosas vindas do Qatar só aumenta.
Em 2014 oito nacionais apareceram na lista Forbes, entre elas, na vigésima posição, a Dra. Hessa Al Jaber que ocupa uma das posições mais importantes no governo do país: é ministra da informação, comunicação e tecnologia.
Toda essa exposição da mulher qatari só foi possível graças à primeira mulher no mundo a receber o título de Sheikha, originalmente dado apenas a homens: a mãe do atual Emir do Qatar, Sheikha Mozah Bint Nasser Al-Missned.
Esta mulher, que rompeu valores da sociedade tradicional qatari ao passar a acompanhar seu marido, o antigo Emir, em compromissos públicos, além de mãe de sete filhos e formada em sociologia vem, há mais de 15 anos, trabalhando para a melhora da educação e reforma social no país. Isso incluiu programas de combate a violência doméstica contra a mulher, melhora dos direitos trabalhistas e das crianças e mais acesso a postos de trabalho aos deficientes.
A prova de que seus esforços têm dado resultados é que nas universidades o número de estudantes do sexo feminino ultrapassou o do sexo masculino, o que, acredito, ajudará, no futuro, a promover a igualdade de gênero.
Outra mulher que está vindo com tudo na lista Forbes das poderosas é a irmã do atual Emir, Sheikha Mayassa Al Thani. Ela que, aos 31 anos, já é considerada a “rainha do mundo das artes”, ocupa a cadeira de presidente da Qatar Museum Authority e também já apareceu na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo da revista Time.
Para nós expatriadas que aqui vivemos os desafios são diferentes: sem apoio do governo e com leis de patrocínio injustas (se viemos no visto dos nossos maridos precisamos da autorização dos mesmos para tudo), é difícil sermos levadas a sério, por exemplo quando estamos negociando salário.
Não precisamos usar a “burca” mas estamos presas nesse limbo social. Não é impossível construir uma carreira aqui, porém também não é fácil. Mas se pararmos para pensar, em que lugar o é?
No Brasil a maioria dos cargos de direção em grandes empresas são ocupados por homens; poucas são as mulheres que conseguem receber o mesmo salário que um homem que exerce a mesma função que a sua. Uma em cada três mulheres sofrem ou já sofreram algum tipo de violência. Ainda temos muito a conquistar, seja no oriente, seja no ocidente.
O importante é não abrir mão do que se acredita, não se deixar levar pelos olhos acusadores que nos cercam; é seguir em frente, lutar, colocar a boca no trombone e reclamar mesmo.
Não importa o que a sociedade do lado de fora pensa sobre uma mulher expatriada não muçulmana. Na minha casa, da porta para dentro é vida normal. As tarefas são dividas, assim como as responsabilidades.
Aprendi do jeito mais difícil que não adianta chorar. Quando um homem árabe bateu no meu carro o departamento de trânsito sem nem ao menos ouvir a história disse que a culpa era minha. Eu estava de roupa de ginástica, chorei, me esperneei – ele não mudou a sua decisão. Me senti um lixo, injustiçada, sou culpada por ser mulher. Mas a culpa que ele me impôs me ensinou uma lição: lugar de chorar é na cama, que é quente! Na rua, diante de uma sociedade machista, temos que ser fortes, seguir o exemplo das poderosas qataris, e achar nosso lugar ao sol!
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16 Comments
Muito bom e incrível seu texto. Adorei o caráter informativo e também pessoal que você conseguiu passar!
Um grande beijo e vamos torcer pelas mudanças que vem por aí!!!!
Sempre em frente!! Muito obrigada pelo carinho!! Beijo grande!!
Sou nova aqui no blog, Thais, adorei seu texto! Eu não imaginava que essas mudanças já estavam acontecendo, que bom! A imagem que a gente tem daí é essa mesma da burca.
E parabéns pela coragem de viver aí, não é para qualquer um, eu acho que eu teria avançado no guarda de trânsito de tanta raiva, que coisa!
Que bom que você gostou!! Na verdade a coragem foi misturada com uma dose de maluquice hahahaha Nem te conto que segurei no braço do homem e tiveram que me tirar correndo da frente dele antes que ele me desse voz de prisão! rs Abraço apertado!!
Thaís, adorei o texto! Parabéns!!!! Um grande beijo.
Obrigada!!!! Beijão!!!
É, não deve ser fácil viver em um lugar assim. Que essas mulheres continuem nessa luta. Parabéns pelo texto e por essa nova vida.
Mulher de verdade nunca foge a uma luta né!? De pouquinho em pouquinho a gente chega lá! Abraço!!!
Oi Thaís, adorei o seu texto. Eu também estou morando em Doha! E o seu blog foi super informativo no meu processo decisório para aceitar ou não meu emprego aqui. Concordo plenamente com tudo o que você falou sobre as cataris e as mudanças que vem acontecendo por aqui. Mas para mim foi surpreendente vir trabalhar numa empresa de gás e encontrar tantas mulheres trabalhando. Só na minha equipe, tenho 3! A grande maioria expatriadas… E também surpreendentemente me sinto muito respeitada, as vezes mais até que no Brasil. Quanto a questão de depender de autorização do seu marido para tudo, é realmente medieval. Mas se for algum consolo, meu marido também depende de mim para tudo! E o pior, diferentemente das esposas, ele não pode trabalhar enquanto estiver sendo “sponsored” por mim! Um beijo e sorte sobrevivendo esse verão escaldante!!!! Tá difícil…
Claudia, adorei a fala “surpreendentemente me sinto muito respeitada, as vezes mais até que no Brasil”. Um viva à valorizacão do papel da mulher na sociedade e no mundo. Um abraço.
hahahah Eita Claudia! Dessa eu não sabia!
Existem pouquíssimos casos de maridos que estão sob o sponsor da esposa. Somente permitem para empresas do governo. Fico muito feliz em saber que estamos sendo representadas em todas as áreas. #girlpower
Que bom conhecer um pouco do Qatar pelas suas palavras. Estou em processo de mudança para Doha e conhecer um pouco da realidade vivida por uma brasileira é de suma importância. Gosto da forma positivia que você fala sobre o papel da mulher numa sociedade majoritariamente machista. Parabéns.
Obrigada Ana! Se você quiser saber mais da vida por aqui é só ir lá no meu blog http://www.desbravadoha.com .
Seja bem vinda a vida no deserto!!
=)
Adorei seu texto ! E como é uma das expatriada solteira ir viver sozinha no Qatar ?
Mas como assim, eles só levaram em consideração a palavra do árabe que bateu o teu carro e não o contrário? Puxa vida, aí complica muito, pois você pode ser acusada por algo que não fez apenas por ser expatriada, né? Me corrige se eu estiver errada.
Imaginava que as leis eram mais claras e rígidas para todos!
No mais, achei muito bom o teu relato. Em matéria de trabalho, qualidade de vida e educação, sempre falam bem de Qatar.
Excelente texto. Adorei