Qual julgamento você recebe por morar fora?
A gente passa a vida recebendo críticas externas e quando mudamos para outro país parece que a situação triplica. Acho que todo mundo que migra não tem certeza de nada do que vai encontrar pela frente. Mesmo quem tem tudo super planejado, que pretende nunca mais voltar para o Brasil ou vai como expatriado por alguma empresa (que tem tudo praticamente “garantido”) não sabe dizer se a mudança foi a melhor escolha da vida. Pelo que converso com as pessoas que estão morando fora, cheguei a essa conclusão.
Quero falar sobre esse tema porque mesmo sem garantias saímos da nossa zona de conforto e fomos para o desconhecido, certo!? Só não sabemos dar a resposta na lata se essa escolha foi a melhor da vida. Mas, não tem um ser humano que ficou na nossa terra natal que não pergunte, principalmente para as mulheres que vão acompanhando os maridos: “Nossa, mas você fica o dia todo sem fazer nada?”, “Você só passeia pela cidade, né!?” ou “Ai, acho que você deveria fazer isso ou aquilo”. E para quem foi trabalhando ou sei lá, vem a pergunta: “Mas, você está feliz?”, “Você acha que fez a escolha certa” e por aí vai.
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O ponto é, principalmente para quem está no começo da mudança, digo por mim, ainda fragilizada, tentando se encontrar, entender, se encaixar, essas perguntas são tão desagradáveis. Talvez, por não termos a resposta, essas questōes mexem com a gente, porque pelo fato de morar fora parece que você tem mais obrigação de dar satisfação da sua vida para quem ficou no seu país.
Num café da tarde com umas amigas que também moram fora, estávamos falando sobre isso e todas, de alguma forma, tinham alguma ressentimento com relação a esse tipo de expectativas alheias sobre a nossa nova vida. Porque além das perguntas inconvenientes citadas acima, outros falam: “Mas, você está na Europa, tem que aproveitar e viajar, conhecer todos os lugares!”. Como se fosse de graça viajar por aqui. Claro que tem mais facilidades e não falta vontade de viajar em todos os feriados e férias das crianças (meu caso, porque tenho filhos), mas, não é esse mar de flores. Custa caro, requer muito planejamento, organização e dinheiro para conhecer todos os lugares que queremos.
O ponto desse texto é mais compartilhar essa dor, esse incômodo, sei lá que nome posso dar. No entanto, quero dizer para todas as mulheres expatriadas que se você se sente ou está passando por sentimos e situações similares, você é muito guerreira. Independente da forma que você mudou, pelo marido, pelo trabalho, pelo estudo, para tentar algo novo, você ja é uma vencedora.
Só quem passa por isso pode dizer que cada dia é uma batalha. Tem o idioma, tem a diferença de cultura, tem o fato de lidar consigo, com a transformação que passamos como pessoa. Também digo por mim, que estou passando por um processo de autoconhecimento sem igual. Como, por exemplo, eu não sabia que tinha tanta coisa para fazer fora de um ambiente de trabalho já que, na época em que morava no Brasil, meus compromissos eram marcados de acordo com meu horário disponível fora do escritório. Ou seja, primeira vinha o trabalho e depois o resto que, na verdade, não é resto, mas, sim, o mais importante, nossa vida de verdade.
Agora que cuido mais da minha agenda, organizo a gestāo do meu tempo e escolho meus compromissos, descobri que temos tanto para fazer durante o dia que, sem sombra de dúvidas, nosso tempo é muito precioso e como usamos ele é ainda mais valioso. Seja o tempo cuidando de você, da sua casa, do seu filho, para encontrar um amigo e por aí vai. Tarefa fácil? Longe disso, a diferença é que agora, antes de dormir, penso no que fiz e como aproveitei meu tempo naquele dia. Nem sempre a resposta é como eu gostaria e admito que o pensamento de Seteve Jobs, perguntando “se hoje fosse o último dia de sua vida, queria fazer o que vai fazer hoje?”, faz muito sentido para mim porque, se a resposta for “nāo” por muitos dias seguidos, sei que preciso mudar algo.
Acredito que todas passam por esse processo de entender que raios estamos fazendo longe da nossa família, da nossa terra natal e dos amigos queridos. Talvez, nunca teremos a resposta. De qualquer forma, todos os desafios que passamos são diários e só quem passa por esse processo pode falar. Eu digo que tentar explicar essa experiência é igual tentar dizer como é ser mãe. Não tem como, só vivendo mesmo.
O mais importante é não se deixar abalar, seguir em frente e confiar na sua intuição. E, principalmente, nem dar ouvidos para opinião alheia. Isso vale para a vida, mesmo que você nunca tenha migrado ou volte para o Brasil.
E você, ja passou por algum tipo de julgamento? Isso te incomodou? Conta para gente.
3 Comments
Oi Raquel! Também sou colunista aqui do Bpm e compartilho dos seus sentimentos expostos no post. Sempre comento com amigas e pacientes (sou psicóloga) que só quem passa por essa experiência tem a noção do que passamos e que não é nd fácil essa experiência, que exige mta coragem!
Um beijao!
Muito bacana essa materia Qual julgamento vc recebe por morar fora? Eu ja morei 3 anos em Xangai , ano passado mudamos para boston e agora em NY. De executiva de empresa americana virei dona de casa e sou muito feliz! Essas reviravoltas nao vida sao muito importantes e exigem um equilibrio emocional e familiar enormes. Gostaria de contribuir para esse site! Escrevi im livro que nunca publiquei sobre minha experiencia na China! Quem sabe agora em NY escrevo outro! Obrigada! Lucila Covre
Nossa, eu sempre discuto isso com minhas amigas que moram aqui comigo, na Polônia. Faço das tuas reflexões as minhas.
Mas sabe qual é o comentário mais desagradável e que até machuca? Aqueles que tentam de certa forma desmerecer a tua conquista de ir morar fora, como se tudo fosse mil maravilhas. “Ai, você tem uma vida muito fácil, eu to aqui pagando conta no Brasil”. Você compartilha uma experiência de viagem e os comentários são “Nossa, que vida boa!”, ou “É fácil ser feliz assim né haha”. Parece que algumas pessoas jogam suas frutrações em cima dos outros, desmerecendo as conquistas alheias pra justificar sua própria falta de capacidade em seguir a sua própria vida. Desde que soube que ia morar aqui, sinto que só minha família e melhor amiga realmente ficaram feliz por mim e torceram junto comigo. Fico às vezes com medo e insegurança de compartilhar uma conquista minha, com medo de receber comentários negativos. Parece que é proibido ser feliz e ter momentos bons, temos que estar constantamente reforçando quantas horas trabalhamos, ou o quanto suamos, ou o quanto a vida é difícil para ser digno de merecimento alheio.