Ser imigrante é bom ou ruim? Existe resposta certa?
Muitas vezes, achamos erroneamente, que as coisas são brancas ou pretas, são do grupo A ou B, isso ou aquilo e nos prendemos em uma rede maniqueísta que nos faz ignorar o terceiro lugar.
Isso se aplica às nossas ideologias políticas, aos nossos relacionamentos afetivos, aos nossos gostos pessoais, etc.
Nada melhor para quebrar as nossas certezas do que sair da zona de conforto, que é a nossa “ilusão” acerca de verdades absolutas. Uma maneira certeira de vivenciar essa quebra de paradigmas é morar fora do nosso país de origem, é ser estrangeiro.
Os caminhos que levam as pessoas a deixarem seu país, são muitos e por diferentes motivos. Acompanho aqui, minhas tantas colegas do Brasileiras pelo Mundo e vejo quantas trajetórias distintas.
Muitas deixaram o Brasil muito novas, e praticamente amadureceram e se transformaram em outros países, imersas em culturas completamente opostas. Um belo relato é o da fundadora do Brasileiras pelo Mundo, Ann Moeller, que fez um caminho muito interessante, deixando o Brasil muito jovem ainda.
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Eu faço parte de uma minoria. Deixei o Brasil às vésperas dos meus 40 anos e não vim sozinha, vim com uma enorme bagagem, de vida, família e tralhas! Quando nos mudamos para acompanharmos a carreira de nossos parceiros, a experiência é completamente diferente.
Filhos, responsabilidades financeiras e tantas outras coisas, tolhem a tão maravilhosa liberdade de desbravarmos o mundo por nossa própria conta e risco. Infelizmente, essa experiência, eu não terei para contar, mas apesar de não ter vivido, eu recomendo fortemente a todos àqueles que puderem fazer!
Entretanto, posso dizer e já disse, em vários textos pessoais, o quanto essa vida de imigrante tem me transformado. Acredito que passamos por uma espécie de ciclo. No começo tudo é novidade, nos encantamos e vivemos quase como turistas. Para mim, essa “lua de mel”, durou um ano. Através da troca de estações (tão lindamente marcadas no hemisfério norte), vamos também trocando nossos olhares, descobrindo e nos encantando a cada novidade.
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Na segunda fase, as coisas entram em uma rotina, percebemos algumas falhas no que parecia perfeito e descobrimos, aos poucos, que problemas e dificuldades existem em todos os lugares. Mas, vamos nos acomodando e estabelecendo as bases de um novo cotidiano. A língua começa a ficar mais confortável, descobrimos novos amigos e começamos a nos envolver socialmente dentro da nova realidade.
A terceira fase, bate a saudades, e começam as perguntas, e se…. Será mesmo que aqui é tão melhor que no Brasil? Quero meus amigos e familiares por perto… Muitas vezes, nas viagens de volta ao Brasil, cheios de anseios de saudades, nos decepcionamos e notamos o quanto nos distanciamos.
É aí que entra o “terceiro lugar”. Guimarães Rosa, um dos maiores autores em Língua Portuguesa, têm um conto belíssimo, chamado A Terceira Margem do Rio. Não vou falar sobre, para não estragar a surpresa, mas indico aos que amam uma boa leitura.
Assim como o personagem, depois desses quase quatro anos, me sinto em uma terceira margem, nem lá, nem cá. O fato de já ter vindo, com marcas tão fortes e enraizadas, dificulta a minha adaptação e também o meu senso de pertencimento à cultura americana. Além disso, meu marido e minhas filhas, são todos brasileiros e criados no Brasil, assim formamos uma espécie de núcleo à parte, distantes dos costumes norte-americanos.
Quero deixar claro que alimentação, lazer, consumo e tantos outros fatores essenciais, são de longe, a menor das dificuldades. Nesses quesitos, conseguimos nos adaptar muito bem, pois sempre fomos abertos ao novo, às experimentações.
O complicado é mais no jeito de ser, de encarar a vida. Explico: para os americanos, tudo tem que ter uma “utilidade”. As crianças, desde muito pequenas, têm as agendas lotadas, milhões de atividades, além da longa jornada escolar. Sábados, por exemplo, são dias úteis, normalmente tomados por compromissos e aulas que não cabem na semana já super ocupada. Diversão, quase sempre, está relacionada à competição. Entre americanos, é difícil se divertir e relaxar ao estilo dolce far niente tão comum, para nós latinos. Um jantar, vira sempre uma desculpa para jogos de tabuleiro, um exemplo irônico para ilustrar como é a vida por aqui.
Não sei, se essa necessidade de se sentir útil, produtivo e vencedor – o tempo todo -têm origem religiosa, muito mais protestante e calvinista do que católica, mas enfim, é uma coisa que me chama atenção. Não há aqui, um julgamento da minha parte, mas é uma característica cultural, que tenho dificuldade em acatar.
Por outro lado há a extrema educação. No trânsito, nas ruas, no bairro. Nenhum vizinho irá te incomodar com barulhos de festas depois do anoitecer, todos vão te dar passagem no trânsito quando você precisar, carros respeitam pedestres e ciclistas, etc. etc. Seguram sempre a porta do elevador e das lojas para você e um bom dia e boa noite é regra por quase todos os lugares que já passei, com pequenas exceções, que deixo para outro post!
Quando voltei ao Brasil de férias, depois de quase dois anos fora, me senti atropelada pela falta de educação paulistana. O trânsito parecia um tsunami em fúria e fiquei com medo de dirigir. Nós, seres humanos, nos acostumamos rapidamente ao que é melhor… Alguns valores tupiniquins também me pareceram desnecessários, como a vaidade excessiva e a aparência: da casa, da condição social, do corpo, do carro, do cabelo, etc. acima de todas as coisas. Algo que perdeu o sentido para mim.
Criou-se então o terceiro lugar, nem cá, nem lá. Onde, afinal que pertenço? Amigas queridas minhas, que estão nessa vida de imigrante há décadas, me disseram: “bem vinda ao clube, essa sensação nunca passa!” Será?
Por mais que pareça desconfortável, é também muito interessante. Quase como se vivêssemos em uma outra dimensão, observadores distantes de duas realidades distintas. Pego então um pouquinho daqui, misturo com o que trago de lá, e acabo criando um caldo único, que não me faz pertencer, mas que deixa a minha vida e a minha experiência muito mais rica!
Apesar das saudades brasileiras, apesar do conforto americano, acho que serei sempre uma pessoa dividida e aceitar a condição de viver nessa “terceira margem” é a minha maneira de encarar o copo meio cheio e pegar o que de melhor, essa oportunidade está me dando.
E você? Já se sentiu assim também?
Até o mês que vem.
4 Comments
Que delícia de texto, Gabriela! Parabéns.
Me identifiquei com você, apesar de estar apenas no início deste processo. Depois de 5 anos me dividindo entre Brasil e Estados Unidos, neste ano virei para ficar. E, adivinha? Fiz 60 anos em janeiro! Não é uma doideira?
Um abraço à brasileira para você.
Olá Gabriela! Bom texto, que voce escreveu! realmente nao é fácil deixar o mundo conhecido para ir para outro, sem saber muito sobre tudo! Idioma, costumes, vida social ou antisocial) Politica, religiao, cultura, amizades, amor fraternal? ou cuide-se cada um de si? O Estado, o Governo cuida aé certo ponto, más até quando? Realmente agente muda, morre um pouquinho e retorna à vida de maneira diferente! Eu já nao sou eu! Porque, quando aconteceu isso? Quando descobri isso? Quando comecei à sonhar falando ou sonhando em outro idioma. Será que fiquei totalmente integrada? Nao sei, me pergunto tanto, principalmente depois que me
aposentei no ano passado! Que bom que voce tem seu marido e suas filhas com voce! Boa sorte! Beijos de uma suéca – brasileira? Depois de 43 anos é dificil saber!
O mais dificil para mim é o idioma, por mais que me esforço não consigo falar corretamente, apesar do espanhol ser parecido com o português.
A falta de interesse deles para entender o que estou falando, mesmo quando estou falando corretamente, sinto que não há interesse por partes deles.
Não estou nem aí pelo fato de ser imigrante, quero é ser feliz, para mim é o que basta, se não quer me entender azar dele.
Vivendo atualmente em Santiago de Compostela
Selia
Super me identifiquei, Gabriela! Recomendo a leitura desse texto também: https://www.theguardian.com/commentisfree/2015/mar/24/migrants-leave-home-future-past-borders.