Vivendo com colite ulcerativa nos Estados Unidos.
Há um tempo, era tabu falar de cocô ou do intestino. Falava-se baixinho quando alguém tinha diarreia, gases ou um intestino delicado. Hoje, documentários e revistas explicam a conexão cérebro-intestino e como a saúde desse órgão é importante para nosso bem-estar geral. Ainda bem. Essa mudança foi positiva, especialmente para as pessoas que têm que conviver, como eu, com doenças autoimunes dessa parte do corpo.
Tudo começou por volta dos meus 25 anos, quando passei a ter episódios constantes de diarreia, vômitos e inchaços na barriga que me levavam à emergência de hospitais com certa frequência.
Todas as vezes que eu saía para passear, em vez da saída de emergência, procurava o banheiro mais próximo. Lugar que visitava, banheiro que conhecia. Era no avião, restaurante, trem, ônibus, cinema, no carro, ônibus, trabalho…
Todas as vezes que viajava para outra cidade, precisava usar o seguro de viagem. Sempre piorava em situações de estresse e quando comia fora de casa.
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Durante dez anos fui a médicos que nada diagnosticavam. Não faziam nem pediam exames e só acusavam o estresse e a mudança de alimentação que ocorria sempre que saía da minha rotina.
O meu diagnóstico, como o de tantas outras pessoas, não foi fácil. Os profissionais, pouco preparados, só me davam fortes analgésicos, remédios para enjoo, soro para recuperar a perda de líquidos e medicamentos para diminuir os gases. Não investigavam.
Da última vez que fui à emergência no Rio de Janeiro, apesar das fezes escuras e vômito a jato, os médicos apenas me deram Buscopan na veia. Fui liberada depois de algumas horas sem saber o motivo de me sentir tão mal.
Segundo uma pesquisa inédita feita no Brasil e publicada em 2017, mais de 40% das pessoas com doenças inflamatórias intestinais demoram mais de um ano para receber um diagnóstico. No meu caso, a demora foi de 15 anos.
Até que, em abril de 2016, minha mãe faleceu por causa de um câncer no intestino, também tardiamente diagnosticado apesar de inúmeras consultas com profissionais.
Os médicos recomendaram uma colonoscopia para acompanhamento, já que eu acabava de completar 40 anos e esse tipo de câncer pode ser hereditário.
Foi a colonoscopia que me trouxe o diagnóstico, logo antes da mudança para Nova Iorque, há quase um ano: colite ulcerativa e angiodisplasia. O primeiro é, em resumo, uma doença inflamatória crônica do intestino, que provoca úlceras no cólon. A segunda é uma espécie de má formação dos vasos sanguíneos do intestino, o que pode causar hemorragia e sangue nas fezes.
Preocupada com o diagnóstico, comecei a ler tudo o que podia. A maior parte das informações vem da literatura médica em inglês. O Google assusta e conta casos graves de pessoas que devem que viver com bolsinhas de colostomia.
Assim que soube do diagnóstico, meu marido comprou um livro sobre uma dieta especial, a SCD (Specific Carbohydrate Diet) ou a Dieta do Carboidrato Específico.
Criada aqui nos Estados Unidos, em 1924, para tratar a doença celíaca, a SCD sofreu algumas adaptações e hoje é usada para tratar todo tipo de doenças inflamatórias intestinais, como doença de Crohn, diverticulite, colite e diarreia crônica.
Existe uma lista com os alimentos permitidos, os que são proibidos e os que precisamos estar atentos porque nem todo organismo reage da mesma forma. A lista mudou a minha vida.
Na dieta, apenas alguns tipos de carboidratos (os simples) são permitidos. Tem que cortar glúten e amido em geral. A maioria dos grãos precisa ser deixada de fora. Açúcar, nem pensar! E nem adianta comemorar: nem todos os produtos gluten free são permitidos. Iogurte precisa ser preparado em casa e o feijão preto precisa ficar 24 h de molho antes de cozinhar.
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Ler os rótulos de qualquer produto que eu compro passou a ser indispensável. Sempre tive uma alimentação saudável, mas hoje evito comprar qualquer coisa em caixa ou lata.
No início, foi difícil me adaptar. A gente acha que café da manhã tem que ter pão, que o cafézinho depois do almoço tem que ter açúcar, que não dá para viver sem uma massinha ou pizza e que batata é legume e de super fácil digestão. Mas não é assim.
Retirar tantas coisas da minha dieta me fez ter outra qualidade de vida. Eu já não sinto tantas dores, não fico inchada nem tenho diarreia. Tive a sorte também de diagnosticar a doença ainda com poucas úlceras, o que me permite viver em paz com ela na maior parte das vezes. A colite ainda não tem cura.
Aqui em Nova Iorque também conheci a Crohn’s and Colitis Foundation, um centro de pesquisa e um grupo de apoio para todos os que sofrem da mesma doença que eu. Eles têm escritórios espalhados pelo país inteiro e dão apoio aos que chegam com um novo diagnóstico. No Brasil, há a Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn, que fica em São Paulo.
Quase um milhão de pessoas convivem com a colite ulcerativa nos Estados Unidos. Algumas empresas, como a Wellbees, Liberated Specialty Foods e SCD Bakery nasceram da necessidade de consumo de biscoitos, pizzas, bolos, chocolates e pães com ingredientes permitidos para quem tem a doença. É só procurar pelos produtos com a sigla da dieta do carboidrato específico: SCD.
Também há outras marcas que fazem biscoitinhos de lentilha e feijão e são facilmente encontrados em supermercados. Apesar de não colocarem no rótulo que os ingredientes fazem parte da SCD, é só olhar os ingredientes usados para ver se são permitidos na dieta.
Os preços de todos esses produtos costumam ser mais salgados por causa dos insumos usados, que costumam ser mais caros, como farinha de amêndoas, mel de boa qualidade e alguns tipos de queijos especiais.
Na maioria dos restaurantes daqui de Nova Iorque existe a opção de pratos gluten free também. Então, comer fora não é tão complicado. Só pergunto se os molhos têm açúcar ou se existem grãos na preparação do prato para saber se está dentro da dieta do carboidrato específico.
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Quando vou a alguma festa, também não como tudo o que servem como antes. Vou pescando só o que posso na mesa. Também não posso beber mais cerveja, só vinho.
Passei a cozinhar muito em casa também. Fazemos pão de queijo caseiro quando desejamos um sanduíche. Tenho uma pequena máquina de fazer sorvete e até isso é feito em casa, com ingredientes que conheço. Hoje, meu marido come o que eu como, uma dieta totalmente sem glúten ou açúcar.
Desde que mudei a dieta, escorreguei umas três vezes apenas. Perdi a cabeça e comi só um pedacinho de pão. Uma mordida. Mas os vômitos e diarreias chegam em seguida para me relembrar que não posso.
20 Comments
Boa tarde! Você não faz o uso de nenhum medicamento aí não? Se sim, você consegue pegar no Brasil ou compra aí mesmo?
Oi, Sabryna! Hoje não faço uso de medicação. Como faço a dieta especial e tenho muito cuidado com o que como, estou com a doença bem controlada. Isso facilita a minha vida. Eu só faço uso de probióticos com frequência para manter a saúde da flora intestinal, dieta permanente e quase não como fora de casa. Um abraço!
Michele o livro que seu esposo comprei tem traduzido pro português?
Olá, Aline! Infelizmente não tem o livro em português.:(
Boa tarde,
Eu possuo Doença de Crohn e esta dúvida tem me afligido:
Eu estava pensando em fazer intercambio nos EUA, como posso fazer para conseguir os medicamentos que faço uso, como o Infliximabe e a Azatioprina? Existe algum centro de tratamento médico que forneça de forma gratuita ou através de plano de saúde ou viagem estes medicamentos? Eu os consigo de forma rápida e fácil nos EUA? Como?
Excelente trabalho o de vcs! Abraços.
Olá, Cris! Obrigada pela mensagem! Aqui nos Estados Unidos não são aceitas receitas médicas do Brasil. O ideal é que você venha com os remédios que precisará durante um tempo. Dependendo do lugar que você estiver, existem centros de apoio para as pessoas que têm doenças inflamatórias do intestino. Nesses lugares, há muito apoio com indicações de médicos especialistas. A indicação é de graça, os médicos não. Remédios só com receita médica daqui mesmo. Eu, se fosse você, viria com um pequeno estoque e, chegando aqui, encontraria um médico para que você possa recorrer, se precisar de medicamentos. Também viria com um plano de saúde/viagem. Eu moro nos Estados Unidos, mas quando saio daqui, sou super precavida para viajar. Tenho sempre seguro de viagem porque, muitas vezes, o intestino faz graça e eu preciso ir a uma clínica, por mais cuidado que eu tenha :/ Um abraço.
Olá Cris, boa tarde!
Você conseguiu mais alguma informação sobre a medicação nos EUA?
Estou com o mesmo dilema.. também uso infliximabe e azatioprina e não sei como buscar essa medicação fora do Brasil…
Oi Danielle, eu consegui sim mais informações, Mas não estou conseguindo mandar os links e informaçoes (que são muitas )aqui nos comentários, o site não esta deixando, a horas estou tentando. Então faça o seguinte: faz um e-mail novo (caso não queira deixar o seu pessoal exposto nos comentários), coloca ele nos comentários que então eu os lendo respondo que o vi e logo mando tudo que descobri a respeito para este e-mail que vc me passou.
São informaçoes valiosas para nós que temos esta dúvida.
Tudo de bom querida
Abraço
Olá Cris!!!
Obrigada por responder. Não fui notificada da sua resposta, por isso, só vi agora, me desculpe.
Agradeço muito se puder me contatar, caso tenha mais novidades. Meu e-mail é: danielle1287@gmail.com
Muito obrigado pelas informações Michelle!! 🙂
A grande dúvida que eu tenho é em como conseguir o medicamento para Colite ulcerativa e Doença de Crohn chamado Infliximabe (em inglês Infliximab), pois o mesmo tem um custo muito alto (pelo menos no Brasil), sabe me dizer como os pacientes com Colite ulcerativa e Doença de Crohn conseguem estes medicamentos (mais caros) nos EUA? Há algum plano de saúde que cubra isso ou programa que os forneça?
Tudo de bom querida
Abraços.
Cris, este medicamento só com receita médica mesmo. Alguns planos aqui cobrem parte do custo de medicamentos. O meu plano, por exemplo, é o BlueCrossBlueShield. Ele cobre parte do custo de alguns. Não todos. Não conheço un programa que os forneça aqui, de forma gratuita. Aqui a saúde é cara, muito cara, e nada sai de graça, pelo contrário. Por isso, venha com um plano de saúde sempre, principalmente por causa da doença. Um abraço e, qualquer dúvida, pode escrever! 🙂
Olá Michelle, boa tarde!
Estou feliz por ter conhecido sua história. Queria pegar “carona” na pergunta da Cris acima…
Também tenho doença de crohn e faço uso das medicações Infliximabe e Azatioprina. Hoje no Brasil retiro a medicação pelo sistema gratuito SUS.
Estando nos EUA, entendo que devemos começar o tratamento do zero, com médicos daí, estou certa?
Você poderia fazer a gentileza de explicar um pouco mais como isso funciona? Basta ir com seguro saúde e procurar um médico especialista por aí? Com visto de estudante eu teria dificuldade de tratamento?
Agradeço desde já sua ajuda.
Abs,
Oi Danielle, eu consegui sim mais informações, mas não estou conseguindo mandar os links aqui nos comentários, a horas estou tentando. Então faça o seguinte: faz um e-mail novo (caso não queira deixar o seu pessoal exposto nos comentários), coloca ele nos comentários que então eu os lendo respondo que o vi e logo mando tudo que descobri a respeito para este e-mail que vc me passou.
São informaçoes valiosas para nós que temos esta dúvida.
Tudo de bom querida e abraço.
Oi, Danielle! Foi o que eu fiz logo que cheguei: comecei o tratamento do zero mesmo. Trouxe todos os meus exames, colonoscopia, receitas anteriores e fui ao médico aqui. Fiz um plano de saúde local, não plano de viagem, e passei a ser acompanhada aqui por um médico daqui. Também segui muito o livro que falei no artigo. Esta foi a minha experiência, pelo menos. Foi o caminho que encontrei. Infelizmente, nunca consegui remédios grátis, porque aqui não tem um sistema como o SUS. Mas a Cris parece que pesquisou mais e pode ajudar você 🙂 Cris, se você quiser, manda para mim os links e eu posto aqui nos comentários, se você não estiver conseguindo. Meu email é mimarinho@yahoo.com.br Um abraço para vocês e entendo muito bem a preocupação de quem tem colite! 🙂 🙂
Bom dia,
Qual o nome do livro para pessoas com retocolite
Olá, Simone. O nome do livro é Breaking the Vicious Cycle. O link para o livro é este aqui: http://www.breakingtheviciouscycle.info/ Não tem tradução para o português por enquanto.
Um abraço,
Michelle
Oi Michelle
Eu sou homem rs, Desculpe a demora, eu vou mandar o email a vc para disponibilizar as informaçoes. Fique atenta a sua caixa de entrada ou spam
Att.
Desculpa, Cris! Achei que fosse a Cris, e é o Cris. rsrs 😉 Muito obrigada pelo email. Vou copiar abaixo as informações tão ricas que você pesquisou para todos nós que sofremos com problemas no intestino:
– O contato do National IBD Help Center onde pode-se tirar mais dúvidas e encontrar no site deles especialistas em Doença de Crohn em todo os EUA:
Encontrando especialistas:
http://www.crohnscolitisfoundation.org/resources/finding-a-specialist.html
http://www.crohnscolitisfoundation.org/living-with-crohns-colitis/find-a-doctor/
http://health.usnews.com/best-hospitals/rankings/gastroenterology-and-gi-surgery
A Janssen tem um localizador de centro de Infusão: https://www.2infuse.com/ .
Grupo privado do Facebook sobre Doença de Crohn (grupo americano e esta todo em inglês), lá vc pode tirar dúvidas com os membros que são locais dos EUA): https://m.facebook.com/groups/392644244143471
– Contato IBD:
Phone: 888-MY-GUT-PAIN (888-694-8872)
Email: info@crohnscolitisfoundation.org
Live Chat: http://www.crohnscolitisfoundation.org/living-with-crohns-colitis/talk-to-a-specialist/
(Help Center is open Monday-Friday, 9:00 am to 5:00 pm EST.)
Oii Michelle, boa noite! Tudo bem?
Eu te mandei um e-mail no: mimarinho@yahoo.com.br pedindo o contato do Cris, você viu?
Olá querida poderia passar a receita do pão de queijo ? Obrigada